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A pós-democracia brasileira e as eleições de 2018: o que esperar do eleitor?

Antes de tentar apresentar algumas sinalizações, é importante procurar entender o contexto no qual estamos vivendo.

quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Atualizado em 21 de novembro de 2017 14:53

Na semana passada, mais precisamente no dia da prisão do presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro e correligionários, eu trabalhei durante o dia todo no Rio de Janeiro. Como meu dia começou cedíssimo, acabei notando parte da movimentação na cidade com carros e camburões da Polícia Federal, levando os presos, para lá e para cá.

O trânsito no centro estava infernal, e fiz algum comentário sobre os fatos correntes com o taxista que me conduzia, quando passávamos em frente ao prédio da Assembleia. Foi o que bastou para ele "delatar" um "primo". Com conhecimento de causa, disse-me que o tal primo - hoje Vereador em uma cidade fluminense - tinha sido eleito recentemente graças a um comportamento similar àquele alegadamente imputado ao deputado Picciani. Primeiro, que o vereador, com o intuito de se eleger, teria distribuído dinheiro arrecadado pelo seu Partido a diversas comunidades carentes, e que os eleitores "teriam se vendido" por alguns reais. O taxista disse-me que achava absurdo o comportamento do primo, mas como era notório, não era diferente dos demais políticos brasileiros, e isso ele nem estranhava mais. Mas o que ele realmente repudiava era o comportamento dos eleitores, que se vendiam "por uma cerveja". Depois, o taxista me disse que o tal primo vereador loteava cargos na Câmara de Vereadores, já estava muito bem de vida, pois acaba ficando com a totalidade ou boa parte dos vencimentos daqueles que passavam a ocupar tais cargos, alguns deles funcionários-fantasmas.

Se essa estória é verdadeira ou não, eu não posso afirmar. Mas que a indignação do taxista me pareceu real, isso pude comprovar. E o fim da conversa foi similar a tudo o que eu ando escutando nos diversos espaços em que frequento: "se eu pudesse, ia embora desse país".

Esta sensação generalizada de desconfiança, descrédito e desolação parece ter contaminado a população brasileira. Nem a suposta constatação de que "a economia está melhorando e entrando nos trilhos novamente" é suficiente para afastar a percepção de terra arrasada e de múltipla falência de órgãos do Estado brasileiro. Não que esta sensação seja nova, pois de tempos em tempos ela emerge com mais ou menos força em nosso país. Mas o que parece ser preocupante é que esta onda de desesperança tende a contaminar as próximas eleições de 2018, e de modo muito negativo.

O cenário realmente não é bom, mas parece ser sintomático de uma nova era, no Brasil e no mundo. Por isso nos cabe indagar, não somente sobre qual será o comportamento do eleitor brasileiro nas próximas eleições gerais, mas se existe um comportamento desejado ou esperado capaz de mudar os rumos atuais, que não parecem nada animadores. Antes de tentar apresentar algumas sinalizações, é importante procurar entender o contexto no qual estamos vivendo.

O momento atual no Brasil parece-me ser o que a Ciência Política e o Direito contemporaneamente vêm denominando de "pós-democracia" (Crouch, 2005; Dardot e Laval, 2010; Casara, 2017). A sociedade pós-democrática é representada por uma "democracia de aparência", pois embora as instituições democráticas continuem a existir e aparentemente estejam em regular funcionamento, em verdade o espaço democrático acabou por ser sequestrado e cooptado por uma elite político-econômica, e os interesses da sociedade não mais são representados a partir das regras da democracia. Igualdade e efetivação de direitos passam ao largo dos interesses de grandes corporações, bancos e oligarquias políticas, que acabam dominando as instituições públicas em geral, ditando as novas regras a serem seguidas a partir de uma racionalidade baseada no predomínio do capital sobre a política, asfixiando os diversos grupos sociais que antes representavam maiorias e minorias em uma democracia.

Inúmeros fatos recentes conferem força a esta constatação de que vivemos atualmente em uma pós-democracia: a escalada da corrupção política e administrativa em todas as esferas federativas; o aumento da violência urbana que migra em velocidade assustadora para os centros menores, sem que existam medidas efetivas para a sua contenção; altos índices de desemprego; a falta de limites éticos e jurídicos do Poder Legislativo, Executivo e do Judiciário na condução de suas atividades; a ausência de razoabilidade decisória e o desinteresse do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral em conter as ilegalidades e os abusos dos demais Poderes, e mesmo aqueles de seus membros, e o que é pior: a apatia generalizada da população brasileira que parece ter cansado de se expressar contrariamente aos desmandos que insistem em permanecer nas instâncias políticas oficiais do país.

Em princípio, a mudança e a melhoria deste estado de coisas podem encontrar algum alento nas eleições de 2018. Entretanto, os entraves para que consigamos virar o jogo esbarram por ora em dois obstáculos principais.

De um lado, as opções de candidaturas que temos até o presente momento parecem ser demasiadamente extremistas para a direita ou para a esquerda, e por isso mesmo nada comprometidas em promover um real processo de pacificação social e um projeto nacional de desenvolvimento capazes de transformar esta triste realidade de ineficiência e de radicalismos que assola nossas instituições políticas e sociais. Mesmo os candidatos da linha "gestor que não é político", que atraíram boa atenção de parcela do eleitorado nas últimas eleições municipais, parecem não estar convencendo muito a população, que já dá sinais de afastamento desse tipo de candidatura. Sobram representantes de "famosos que não são políticos", e que em um ambiente de redes sociais e de predomínio das fake news encontram eco na população menos exigente e desinteressada no pleito eleitoral, que parece ser uma esmagadora maioria até aqui.

Por outro lado, a população revela sinais de cansaço excessivo e letargia em relação ao jogo político, não participando ativamente das discussões atuais sobre Reformas Política, Previdenciária, Trabalhista ou Tributária, até porque, não sendo devidamente informada pelo Governo das pautas e agendas em discussão, não se considera preparada para opinar. Esta população está alheia à arena democrática, e no contexto de pós-democracia acima referido, não tem mais sua entrada franqueada para dela participar.

Talvez surjam candidaturas independentes, e que de alguma maneira representem novas lideranças que convençam a população de que Agendas de Pacificação Social e de Desenvolvimentismo Social e Econômico são sim possíveis em nosso país. Mas se isso acontecer, a população brasileira precisará fazer sua parte, deixando de lado posturas individualistas e interesseiras, mais voltadas a atender a necessidades egoísticas, o que no atual estado de desatino ético em que estamos mergulhados parece ser difícil de assumir.

Ocorre que para superar os obstáculos aqui sinalizados e caminhar rumo à promoção de uma pauta contrária aos desígnios desta pós-democracia que ora se instala no país, a sinergia deve ser nacional, envolvendo população, opinião pública e instituições oficiais e constitucionais incumbidas da proteção do Estado de Direito Democrático, como são o Ministério Público, a OAB e os meios de comunicação, por exemplo. Mas a percepção é a de que todos estão atônitos diante dos acontecimentos atuais, e não conseguem estabelecer consensos mínimos para ao menos empreender um debate sobre uma Agenda de Desenvolvimento Nacional que deva ser encampada por candidatos e partidos realmente comprometidos com mudanças significativas e duradouras nas áreas econômica, social e política do nosso país. O trauma do impeachment ainda ecoa na sociedade brasileira, e o que se seguiu a ele também não parece ser muito edificante.

Sem prejuízo disso, devemos permanecer esperançosos de que novas rotas e percursos voltados a reestabelecer os fins e objetivos constitucionais do Estado de Direito Democrático podem de fato ser traçados, porém desde que a sociedade brasileira assuma o comando desta cruzada, sobretudo por meio de um forte pacto das instituições de defesa da democracia, em que os interesses isolados sucumbam ao interesse geral, viabilizando assim buscarmos por uma sociedade verdadeiramente fraterna, justa e solidária.

As nefastas consequências da pós-democracia batem à nossa porta. Posturas como a dos eleitores que vendem seus votos, devem ser absolutamente combatidas e abandonadas. Talvez possamos começar as mudanças nas esferas mais íntimas da nossa cidadania, deixando de eleger aqueles que sabemos não irão nos representar. Não existe pena maior para um político do que a sua não eleição. Dar às costas para o país e dele partir em nada apoiará a nossa causa de transformação ética, política e social.

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*Gustavo Justino de Oliveira é professor de Direito Administrativo na Faculdade de Direito da USP. Advogado, consultor jurídico e árbitro especializado em Direito Público frente ao escritório Justino de Oliveira Advogados, com sede em SP, do qual é sócio-fundador.

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