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Conversão da fiança bancária e do seguro garantia em depósito: o que diz a jurisprudência?

Segundo a sistemática da LEF, tanto a fiança bancária, quanto o seguro-garantia, possuem o status legal equivalente ao do depósito em dinheiro.

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

Atualizado em 28 de dezembro de 2017 15:54

Uma das formas mais comuns de garantia a Execução Fiscal se dá por meio do oferecimento de fiança bancária e de seguro-garantia, os quais possuem o mesmo status legal do depósito judicial e deverão ser válidos até o trânsito em julgado da demanda em que se discute o crédito tributário. Na hipótese de o Recurso do contribuinte não ser dotado de efeito suspensivo, opera-se discussão acerca da possibilidade da conversão em depósito desta garantia, que poderá ser eventualmente levantada por parte da exequente. A jurisprudência é ainda oscilante quanto esta questão.

Usualmente, as exequentes (Fazendas da União, Estado e Município) possuem o entendimento de que quando não atribuído o efeito suspensivo ao Recurso de Apelação em Embargos à Execução Fiscal, seria possível a execução provisória (conversão em depósito), ou mesmo definitiva (conversão em renda), da garantia ofertada.

Porém, a conversão pretendida é manifestamente ilegal, uma vez que, sob a ótica da lei 6.830/80 (Lei de Execuções Fiscais - "LEF"), qualquer uma das garantias listadas acima possui status jurídico equiparado ao do depósito em dinheiro, de modo que a sua execução, mesmo que provisória (conversão da garantia em depósito) só é admitida após o trânsito em julgado da sentença condenatória que confirma o débito em cobrança.

Isso se sustenta pelo fato de que, segundo a sistemática da LEF, tanto a fiança bancária, quanto o seguro-garantia, possuem o status legal equivalente ao do depósito em dinheiro. É o que se constata do racional constante do art. 15, I e 9º, §3º, da lei no 6.830/80:

"Art. 15 - Em qualquer fase do processo, será deferida pelo Juiz:

I - ao executado, a substituição da penhora por depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia; e"

"Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:

I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;

II - oferecer fiança bancária ou seguro garantia;

(...)

§ 3 A garantia da execução, por meio de depósito em dinheiro, fiança bancária ou seguro garantia, produz os mesmos efeitos da penhora".

(g.n)

Por sua vez, a mesma lei de execuções fiscais, em seu art. 32, é bastante clara no sentido de que só poderá haver execução de depósito judicial após a decisão final transitada em julgado, confira-se:

"Art. 32 - Os depósitos judiciais em dinheiro serão obrigatoriamente feitos:

(...)

§ 2º - Após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente". (g.n)

Isso implica reconhecer que, assim como os depósitos, a fiança bancária e o seguro-garantia (com o mesmo status jurídico) não são passíveis de execução, mesmo que provisória, antes do trânsito em julgado da sentença que julga improcedentes os embargos à execução. É o que deflui da interpretação conjugada dos arts. 9, 15 e 32 da lei no 6.830/80.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende possível a execução provisória, na medida em que ressalva que o levantamento do depósito garantidor realizado fica condicionado ao trânsito em julgado, nos termos do art. 32, § 2º, da LEF.

MEDIDA CAUTELAR. AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL PENDENTE DE JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE. ACÓRDÃO TERATOLÓGICO OU CONTRÁRIO À JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. NÃO-OCORRÊNCIA.

1. A competência para a análise de medida cautelar com vistas a emprestar efeito suspensivo a recurso especial pendente de juízo de admissibilidade é da Corte de origem, a teor do disposto nas Súmulas 634 e 635, do Supremo Tribunal Federal, aplicáveis por analogia a este STJ.

2. Todavia, em casos excepcionais, este Superior Tribunal de Justiça tem concedido efeito suspensivo a recurso especial que ainda não foi objeto do juízo de prelibação, notadamente em hipótese na qual o acórdão questionado revela-se primo oculi teratológico ou manifestamente contrário à jurisprudência pacífica desta Corte, o que não é o caso dos autos.

3. O aresto em questão amparou-se essencialmente em recente julgado desta Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça que, por unanimidade, considerou legítima a liquidação da fiança bancária em hipótese na qual o recurso de apelação em embargos à execução fiscal não foi recebido com efeito suspensivo, desde que não houvesse o levantamento da quantia antes do trânsito em julgado - sendo certo que, em princípio, essa orientação ajusta-se à perfeição ao caso vertente.

4. A jurisprudência desta Corte revela-se harmônica quanto à orientação de que as execuções fundadas em título executivo extrajudicial são definitivas, mesmo na pendência do julgamento de recurso de apelação, sem efeito suspensivo, interposto contra a sentença de improcedência dos embargos.

5. A suposta ofensa ao art. 558 do CPC articulada em virtude da não-atribuição de efeito suspensivo à apelação não se mostra suscetível, em princípio, de exame no âmbito deste Superior Tribunal de Justiça, haja vista que a investigação acerca do perigo na demora e da fumaça de bom direito levantados no recurso especial esbarraria no óbice insculpido na Súmula 07.

6. A falta de demonstração do provável êxito recursal evidencia a inexistência de fumus boni iuris, requisito indispensável à medida cautelar.

7. Agravo regimental não provido.

(AgRg na MC 18.155/RJ, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 4/8/11, DJe 16/8/11) (g.n).

No mesmo sentido, a Jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF/3ª) a esse respeito demonstra a possibilidade de liquidação da fiança bancária ou do seguro garantia.

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL IMPROCEDENTES. CARTA DE FIANÇA. EXECUÇÃO. APELAÇÃO NOS EMBARGOS. EFEITO DEVOLUTIVO. RECURSO IMPROVIDO.

1. A simples leitura do art. 1.012 do CPC (Art. 520 do CPC/73) evidencia que o recurso de apelação, via de regra, será recebido em seu duplo efeito, salvo naquelas situações referentes aos seus diversos incisos, quando, então, o apelo será recebido exclusivamente em seu efeito devolutivo.

2. Mencione-se ainda a Súmula 317/STJ: "É definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julga improcedentes os embargos."

3. Por outro lado, o artigo 558 do CPC/73 prevê hipótese de suspensão do cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma, quando presentes a possibilidade de lesão grave ou de difícil reparação e a relevância na fundamentação. Assim, somente em casos excepcionais o magistrado está autorizado a atribuir à apelação em embargos à execução o efeito suspensivo.

4. No caso dos autos, os argumentos expendidos, não se revelam evidentes o "periculum in mora" e o suposto perigo de grave lesão de difícil reparação, sendo genéricas as alegações de prejuízo pelo prosseguimento da demanda executiva, mormente porque eventual levantamento ou conversão em renda da União dos valores decorrentes da liquidação da fiança bancária, ofertada como garantia, se encontram submissos ao trânsito em julgado dos embargos à execução, "ex vi" do art. 32, §2º, da Lei das Execuções Fiscais,

5. Agravo de instrumento improvido.

(TRF 3ª Região, QUARTA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 587820 - 0016791-63.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, julgado em 16/8/17, e-DJF3 Judicial 1 DATA:4/9/17).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO FISCAL. DECISÃO AGRAVADA QUE DETERMINOU A REMESSA AO ARQUIVO SOBRESTADO. INTIMAÇÃO DO BANCO FIADOR PARA DEPOSITAR O VALOR DA DÍVIDA: POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

1. Em sede de execução fiscal, após a sentença de improcedência dos embargos e o recebimento da apelação da embargante no efeito devolutivo, o MM. Juiz a quo determinou a remessa dos autos ao arquivo sobrestado, tendo em conta que a carta-fiança apresentada pela executada garante integralmente o valor do débito, sendo essa a decisão agravada.

2. Pretende a agravante/exequente a intimação do banco fiador para que deposite quantia equivalente ao valor atualizado do débito em juízo.

3. A Súmula 317 do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que "é definitiva a execução de título extrajudicial, ainda que pendente apelação contra sentença que julgue improcedentes os embargos" e o artigo 32, §2º, da lei 6.830/80 determina que "após o trânsito em julgado da decisão, o depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública, mediante ordem do Juízo competente".

4. Assim, não há impedimento ao pleito do exequente para que a execução prossiga com a intimação do banco fiador para que deposite a quantia equivalente ao valor atualizado do débito em juízo.

5. Agravo de instrumento provido.

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 583410 - 0011403-82.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, julgado em 6/7/17, e-DJF3 Judicial 1 DATA:18/7/17 )

Porém, é válido enfatizar que, mais recentemente, algumas turmas do TRF/3ª, tem modificado o seu entendimento quanto a matéria em questão, passando a não reputar admissível a conversão em depósito da fiança bancária ou do seguro-garantia antes do transito em julgado da sentença.

Este é o caso da 6ª Turma deste Tribunal, que, modificando o entendimento do Acórdão acima citado, passou a reputar ilegal a conversão da garantia, no caso uma carta de fiança, em depósito judicial:

PROCESSO CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - EXECUÇÃO FISCAL - EMBARGOS DO DEVEDOR REJEITADOS - APELAÇÃO SEM EFEITO SUSPENSIVO - LIQUIDAÇÃO DA CARTA DE FIANÇA: IMPOSSIBILIDADE.

1. Além da razão de conveniência apontada pelo contribuinte - a prematura liquidação da carta de fiança não traria proveito ao Fisco -, parece, também, que a norma jurídica é sensível ao fato.

2. O seguro e a fiança não são objeto de depósito. Mas de liquidação. O valor da liquidação é objeto do depósito.

3. A bem da exatidão, a linguagem da lei é incorreta. O "depósito, monetariamente atualizado, será devolvido ao depositante ou entregue à Fazenda Pública": isto nunca aconteceu ou acontecerá.

4. Depósito é instituto jurídico. O objeto do depósito, o dinheiro, é que poderá ser devolvido ao depositante ou entregue a terceiro.

5. Quando a lei equipara depósito, fiança e seguro, para efeito de garantia, é preciso considerar que a liquidação destes instrumentos está sujeita, sempre, ao trânsito em julgado.

6. Ou, nas hipóteses de fiança e seguro, será criada cláusula inexistente na lei. Ou seja, os instrumentos servirão ao propósito de garantia, até a sentença de improcedência, nos embargos, cuja apelação não seja qualificada com eficácia suspensiva.

7. Depois disto, liquidada a fiança ou o seguro, o valor correspondente ficará à disposição do juízo, em regime de depósito necessário.

8. Parece induvidoso que a lei não fez tal distinção: qualquer das três modalidades de garantia tem eficácia até o trânsito em julgado. Para o credor, não há diferença.

9. Agravo de instrumento provido. Agravo interno prejudicado.

(TRF 3ª Região, SEXTA TURMA, AI - AGRAVO DE INSTRUMENTO - 577274 - 0003780-64.2016.4.03.0000, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL FÁBIO PRIETO, julgado em 16/11/17, e-DJF3 Judicial 1 DATA:12/12/17 )

Para o relator do caso, Des. Fábio Prieto, quando a lei equipara depósito, fiança bancária e seguro-garantia, para efeito de garantia, é preciso considerar que a liquidação destes instrumentos sempre estará sujeita ao trânsito em julgado, não sendo possível a conversão da garantia em depósito. Nesse ponto, o Acórdão é bastante esclarecedor e, inclusive, mostra evolução de entendimento em comparação com os julgados acima citados.

É válido destacar que a decisão citada não é isolada e já encontra posicionamento favorável pela 3ª TURMA do TRF/3 que, sob a relatoria do Des. Nery Júnior, reconheceu a aplicação do art. 32 da lei 6.830/80 como óbice a liquidação da garantia idônea e suficiente apresentada nos autos da Execução Fiscal:

DIREITO PROCESSUAL CIVIL. JURISPRUDÊNCIA UTILIZADA NÃO AFASTADA. LIQUIDAÇÃO DA CARTA DE FIANÇA BANCÁRIA ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSSIBILIDADE. DECISÃO MONOCRÁTICA MANTIDA. NEGADO PROVIMENTO A AGRAVO INOMINADO.

(...)

3 - A questão cinge-se sobre a possibilidade de liquidação da carta de fiança bancária antes do trânsito em julgado dos embargos à execução. 4 - Sobre a matéria, considerando que o legislador equiparou a fiança bancária ao depósito judicial nos artigos 9º, §3º, e 15, inciso I, da Lei de Execuções Fiscais, é necessária a aplicação do artigo 32, §2º, do mesmo diploma legal, que apenas autoriza o levantamento do depósito após o trânsito em julgado. Precedentes. 5 - Ademais, não há qualquer urgência na liquidação da carta de fiança, tendo em vista a liquidez da garantia. 6 - Negado provimento ao agravo inominado. (g.n.)

(TRF-3ª - TERCEIRA TURMA - Decisão TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 3a. REGIÃO - AI AGRAVO DE INSTRUMENTO - PROCESSO 0030863-26.2014.4.03.0000 - DATA DO JULGAMENTO: 21/6/17 RELATOR(A): DESEMBARGADOR FEDERAL NERY JUNIOR)

Portanto, nos termos dos artigos 9º, §3º, 15, I, e 32 da LEF, tanto a fiança bancária, quanto o seguro-garantia, possuem o status legal equivalente ao do depósito em dinheiro, sendo possível a sua liquidação (conversão em depósito) somente após o trânsito em julgado da discussão.

O racional constante da Lei de Execuções Fiscais foi inclusive reconhecido pelo TRF/3ª, o qual já conta com a mudança de entendimento de algumas turmas, que antes entendiam possível a conversão da fiança bancária ou do seguro-garantia em depósito judicial.

Vemos a posição mais recente, sinalizada pelos julgados acima destacados, como a mais acertada e consentânea com a legislação federal que regula o assunto, e temos a expectativa de que possa consolidar vertente jurisprudencial efetivamente alinhada aos valores processuais e constitucionais que devem balizar esse rito: princípio da menor onerosidade e devido processo legal, dentre outros.

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*Jean Haralambos Bassoukou é advogado da área Tributária do Machado, Meyer, Sendacz e Opice Advogados.

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