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MEI: regularização do trabalho informal ou estímulo à "pejotização"?

As sociedades (MEI) devem possuir propósito negocial e razão econômica para que o modelo negocial seja válido.

quinta-feira, 5 de abril de 2018

Atualizado em 4 de abril de 2018 07:47

1. Com o advento da LC 123/06, que instituiu o Simples Nacional, as empresas passaram a poder se enquadrar, para fins fiscais, nas categorias de Microempreendedor Individual - MEI1, Microempresa ou Empresa de Pequeno Porte2.

2. Classificada numa dessas categorias, a empresa passa a fazer parte do Simples Nacional, um regime compartilhado de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos. No âmbito do Simples Nacional, via de regra, o recolhimento dos tributos3 das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte é mensal, mediante aplicação de uma alíquota única sobre a receita bruta.

3. Especificamente no caso do MEI, este poderá optar pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais, desde que cumpra com os requisitos estabelecidos pela legislação. Não fazendo essa opção ou descumprindo os referidos requisitos, o MEI será desenquadrado dessa sistemática (de valores fixos) e passará a recolher os seus tributos pela regra padrão do Simples Nacional (alíquota sobre receita bruta), como se fosse uma microempresa, ao menos para fins tributários.

4. Essa distinção sobre a forma de tributação do MEI (valores fixos ou alíquota sobre receita bruta) é importante pois o Regulamento da Previdência Social estabelece de maneira expressa que será considerado contribuinte individual o MEI que opte pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais4.

5. Outra hipótese em que o MEI será considerado como contribuinte individual, para fins de recolhimento da Contribuição Previdenciária, é no caso desta Sociedade prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos5. Vale notar que esse dispositivo está replicado em seus exatos termos na IN RFB 971/09, que dispõe sobre as normas gerais de tributação e arrecadação previdenciária6.

6. Assim sendo, caso o MEI opte pelo recolhimento dos seus tributos em valores fixos mensais ou preste um dos serviços elencados pela LC 123/06 (serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos), ele será automaticamente enquadrado como contribuinte individual, ocasião em que a pessoa jurídica que fizer pagamentos ao MEI terá de recolher a contribuição previdenciária sobre tais valores.

7. A contrario sensu, caso o MEI opte pelo recolhimento dos seus tributos com base na regra padrão do Simples Nacional (como se fosse uma Microempresa), i.e., um percentual sobre sua receita bruta e não preste um dos serviços elencados pela LC 123/06, a princípio ele não deveria ser considerado um contribuinte individual, afastando a necessidade de recolhimento da contribuição previdenciária sobre os valores pagos ao MEI nessas condições.

8. Essa regra, entretanto, não é absoluta. Isso porque, independentemente do modelo de recolhimento dos tributos escolhidos pelo MEI, se verificados alguns requisitos fáticos, as autoridades fiscais poderão desconsiderar essas pessoas jurídicas para classificá-los como segurados empregados ou contribuintes individuais.

9. Com base no art. 229, § 2º, do decreto 3.048/99, diante de indícios de relação empregatícia (artigo 3º da CLT) entre o MEI e a empresa contratante, a Receita Federal poderia caracterizá-los como segurados empregados, desconsiderando a personalidade jurídica da pessoa jurídica para exigir as Contribuições Previdenciárias sobre a "remuneração/salário" dessas pessoas físicas.

10. No mais, existiria o risco da Receita Federal desconsiderar a personalidade jurídica dessas sociedades, com base nos artigos 50 do CC e 149, inciso VII do CTN, com o propósito de exigir a Contribuição Previdenciária sobre os valores da "remuneração/salário" percebida, sob a alegação de que se estaria diante de uma simulação ou fraude, na qual a personalidade jurídica do MEI serviria apenas para acobertar a relação empregatícia existente (segurado empregado) ou, ainda para acobertar que o serviço é, na verdade, prestado por um contribuinte individual (pessoa física).

11. Como o artigo 50 do CC prevê que quando houver desvio de finalidade ou em eventual situação de confusão patrimonial a pessoa jurídica poderá ser desconsiderada para todos os fins de direito, as autoridades fiscais também poderiam se valer desse dispositivo legal para tributar essas sociedades como se não fossem pessoas jurídicas.

12. Em todos os casos, caberia à Autoridade Fiscal demonstrar a (i) existência de fatos que comprovem a eventual relação de emprego ou o não cumprimento da legislação trabalhista e previdenciária ou (ii) a existência de simulação ou fraude ou (iii) desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

13. Somente diante desses cenários as autoridades fiscais poderiam então desconsiderar os atos e negócios jurídicos praticados entre a empresa contratante e o MEI (pessoa jurídica).

31. A esse respeito, vale mencionar que o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais tem proferido decisões descaracterizando a personalidade jurídica para fins de exigir a Contribuição Previdenciária apenas quando identificada a existência dos elementos típicos da relação de emprego (pessoalidade, subordinação, habitualidade e exclusividade, nos termos do artigo 3º da CLT).

31. No mesmo sentido, os Tribunais Regionais Federal tendem a desconsiderar a personalidade jurídica para fins previdenciários quando há evidências de que a estrutura foi posta apenas para mascarar a existência de uma relação empregatícia que ensejaria o recolhimento das contribuições previdenciárias.

14. No mais, vale indicar que, recentemente, foi introduzido o art. 442-B na CLT7, que estabeleceu determinadas premissas para que os autônomos não fossem considerados empregados, o que corrobora o entendimento de que, respeitadas determinadas premissas, essa forma de contratação é válida.

15. Vale apontar, entretanto, que o § 6º desse dispositivo estabelece que, presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício, devendo se tomar as cautelas necessárias para que não haja elementos que possam configurar, na prática, uma relação de subordinação entre a empresa contratante e o MEI prestador de serviço.

16. De qualquer forma, quando da contratação de MEI, recomenda-se a verificação na prática da inexistência de quaisquer indícios de confusão patrimonial ou de desvio de finalidade nessas pessoas jurídicas. É dizer, as sociedades (MEI) devem possuir propósito negocial e razão econômica para que o modelo negocial seja válido.

17. No mais, tampouco pode haver indícios de relação de emprego entre o MEI e a empresa contratante, notadamente o requisito da subordinação de fato e de direito. Para que essa estrutura não seja questionada, deve se estar diante de uma operação tipicamente comercial.

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1 O MEI é, na verdade, modalidade de Microempresa (art. 18-E, §3º da Lei Complementar nº 123/2006)
2 Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I - no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e
II - no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais).
3 Note que o Simples Nacional abarca apenas alguns dos impostos e contribuições.
4 Art. 9º São segurados obrigatórios da previdência social as seguintes pessoas físicas: [...]
V - como contribuinte individual: [...]
p) o Micro Empreendedor Individual - MEI de que tratam os arts. 18-A e 18-C da Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, que opte pelo recolhimento dos impostos e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais;
5 Art. 18-B. A empresa contratante de serviços executados por intermédio do MEI mantém, em relação a esta contratação, a obrigatoriedade de recolhimento da contribuição a que se refere o inciso III do caput e o § 1o do art. 22 da Lei no 8.212, de 24 de julho de 1991, e o cumprimento das obrigações acessórias relativas à contratação de contribuinte individual.
§ 1o Aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos.
6 Art. 201. A empresa contratante de serviços executados por intermédio do MEI mantém, em relação a esta contratação, a obrigatoriedade de recolhimento da contribuição a que se referem o inciso III e o § 5º do art. 72, bem como o cumprimento das obrigações acessórias relativas à contratação de contribuinte individual.
§ 1º Nos termos do § 1º do art. 18-B da Lei Complementar nº 123, de 2006, aplica-se o disposto neste artigo exclusivamente em relação ao MEI que for contratado para prestar serviços de hidráulica, eletricidade, pintura, alvenaria, carpintaria e de manutenção ou reparo de veículos.
§ 2º A obrigação da empresa de reter a contribuição do segurado contribuinte individual a seu serviço, descontando-a da respectiva remuneração, e a recolher na forma do art. 4º da Lei nº 10.666, de 8 de maio de 2003, não se aplica a este artigo.
§ 3º O disposto neste artigo não se aplica em relação aos demais serviços prestados por intermédio do MEI.
7 Art. 442-B. A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art. 3º desta Consolidação.
§ 1º É vedada a celebração de cláusula de exclusividade no contrato previsto no caput.
§ 2º Não caracteriza a qualidade de empregado prevista no art. 3º o fato de o autônomo prestar serviços a apenas um tomador de serviços.
§ 3º O autônomo poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviços que exerçam ou não a mesma atividade econômica, sob qualquer modalidade de contrato de trabalho, inclusive como autônomo.
§ 4º Fica garantida ao autônomo a possibilidade de recusa de realizar atividade demandada pelo contratante, garantida a aplicação de cláusula de penalidade prevista em contrato.
§ 5º Motoristas, representantes comerciais, corretores de imóveis, parceiros, e trabalhadores de outras categorias profissionais reguladas por leis específicas relacionadas a atividades compatíveis com o contrato autônomo, desde que cumpridos os requisitos do caput, não possuirão a qualidade de empregado prevista o art. 3º.
§ 6º Presente a subordinação jurídica, será reconhecido o vínculo empregatício.
§ 7º O disposto no caput se aplica ao autônomo, ainda que exerça atividade relacionada ao negócio da empresa contratante.

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*Cristiane I. Matsumoto Gago é sócia do escritório Pinheiro Neto Advogados.

*Lucas Barbosa Oliveira é associado do escritório Pinheiro Neto Advogados.









*Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.

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