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Cara infidelidade

No que diz respeito àquele terceiro que se relaciona com a pessoa casada, comprometida por matrimônio ou união estável, não há solidariedade quanto à obrigação de indenizar.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

Atualizado em 25 de setembro de 2019 16:49

O ordenamento jurídico brasileiro é assente quanto ao cabimento de indenização por danos morais em diversas hipóteses, como fraudes bancárias, erros médicos, ofensas diversas, extravios de bagagens, overbooking, divulgação indevida de imagem ou violação de direito autoral, corte indevido de fornecimento de energia, cobranças abusivas, fraturas por quedas em vias públicas por má conservação ou em transportes públicos.

 

O Poder Judiciário, em algumas decisões recentes, tem também aplicado condenações por um motivo bastante delicado: infidelidade conjugal, mas não pelo "simples" ato de adultério propriamente dito, que, apesar de já não mais ser considerado crime, por força da lei 11.106/05, é dever conjugal previsto no artigo 1.566, inciso I do Código Civil (fidelidade recíproca).

 

O fundamento específico dessas recentes condenações está diretamente relacionado com a demonstração de uma "humilhação social" derivada desse ato, mediante a submissão do cônjuge a uma situação de vexame, exposição da vida privada, ofensa à honra e abalo da imagem. Tem-se levado em consideração inclusive postagens em redes sociais como forma de se agravar a humilhação da pessoa traída pelo constrangimento na divulgação de tais fatos.

 

Num recente julgamento, o TJ/DF, ao condenar o marido num contexto de infidelidade, foi destacada a exposição social como causa justificadora da indenização, sendo que o fato de se manter um relacionamento fora do casamento, por si só, não seria suficiente para o pagamento de indenização - o que é controverso na doutrina e na jurisprudência, desde que caracterizada uma delongada cumplicidade da relação "extraconjugal", capaz de afetar a harmonia do casamento ou união estável.

 

Por sua vez, não se pode esquecer de preservar os direitos daquele terceiro de boa-fé que, caso desconheça o vínculo matrimonial mantido concomitantemente pelo companheiro, ao invés de concubino, pode acreditar estar vivendo, por exemplo, uma união estável. Esse cenário tem significativas implicações existenciais e patrimoniais, inclusive sucessórias, capazes de atrair a aplicação da "triação" na partilha de bens.

 

Tendo como premissa os ditames constitucionais e do Código Civil, sabe-se que a indenização deverá ser medida (quantificada) pela extensão do dano, ou seja, as repercussões que podem ter causado na "vítima", como também deve-se atentar para a capacidade financeira das partes e forma de se repudiar o ato praticado.

 

A jurisprudência pátria tem caminhado no sentido de afastar as diferenças no tratamento de casais cujo vínculo é baseado em matrimônio e união estável (RExt 878.694/MG). Logo, sendo cônjuge ou companheiro, o direito para se pleitear referida indenização é o mesmo.

 

Contudo, ainda não há registro de condenações por constrangimentos advindos de infidelidade entre casais de namorados, muito embora seja levada em consideração a tênue distinção entre namoro e união estável, cujos critérios são totalmente subjetivos para identificação, a exemplo do intuitu familiae. Em vista dessa peculiaridade, passa a ganhar maior importância a celebração do "contrato de namoro" pelo casal que deliberadamente não detém o propósito de constituir família. Válido apenas lembrar, em relação a tal ponderação, que há primazia da realidade em detrimento da forma.

 

Por fim, no que diz respeito àquele terceiro que se relaciona com a pessoa casada, comprometida por matrimônio ou união estável, não há solidariedade quanto à obrigação de indenizar, como bem salientou o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva no julgamento do REsp 922.462/SP: "Em que pese o alto grau de reprovabilidade da conduta daquele que se envolve com pessoa casada, esta Corte já se manifestou no sentido de que o "cúmplice" da esposa infiel não é solidariamente responsável a indenizar o marido traído, pois tal fato não constitui ilícito civil ou penal à falta de contrato ou lei obrigando terceiro estranho à relação conjugal a zelar pela incolumidade do casamento alheio ou a revelar a quem quer que seja a existência de relação extraconjugal firmada com sua amante".
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*Bernardo José Drumond Gonçalves é advogado e sócio do escritório Homero Costa Advogados.

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