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Direito e Economia desmistificado

Não há como ser contra a AED, como é inviável ser contra a Sociologia ou a Filosofia do Direito.

quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Atualizado em 23 de setembro de 2019 17:51

A primeira coisa a ser feita por quem busca entender de um tema (como a Análise Econômica do Direito - AED) é lê-lo a partir de suas próprias lentes, ou seja, de autores especializados. Somente depois de bem compreendida a matéria é que faria sentido estudar seus "críticos". No Brasil, infelizmente vale mais o "paradigma Silvio Santos" segundo o qual "ele não viu o filme, mas indica por ser muito bom". Nesse sentido, o maior equívoco de quem começa a pesquisar sobre AED é justamente começar a partir da crítica como a de Dworkin - por sinal, a melhor já feita até momento. No Brasil, a crítica à AED é, no mais das vezes, ou maniqueísta, ou estratégica, ou ainda ideológica, ou mesmo egocêntrica.

Crítica maniqueísta é aquela que separa o mundo em dois: nós e eles. Para esse pessoal, recomendo ler neurociência para aprender a lidar não apenas com o sistema intuitivo ("rápido"), mas comunicá-lo com a razão (o sistema "devagar"). Como em qualquer paradigma científico - como a Sociologia do Direito -, existem várias escolas, várias vertentes. Não há um único método, nem a forma correta de se trabalhar com as lentes analíticas da Economia aplicada ao Direito. Dentre as escolas, ou vertentes, pode-se listar a Escola de Chicago, a Escola de Yale, a Escola Neoinstitucional, a Escola Comportamental e até mesmo, quem sabe, a Escola de Escolha Pública ("public choice") - e quem sabe a "Ecola Austríaca"? Existem pelo menos "6 tons de cinza" nesse paradigma científico, mas é preciso ler, em papel, com o sistema "devagar".

Crítica estratégica é aquela feita pelo professor de Direito que fez um investimento em uma área de conhecimento e agora sente preguiça de estudar coisas novas ("sunk cost") e de reconhecer suas próprias limitações. Esconde-se na crítica ao "modismo" do Law and Economics", quando esse se trata, na verdade, de um movimento teórico quase tão velho como os "hippies". Normalmente a crítica ao Law and Economics vem por aqueles que investiram na Alemanha ou em outros países europeus continentais, para os quais o pragmatismo e o utilitarismo dos anglo-americanos não servem a nossa cultura, como se precisámos ser condenados à cultura de um sistema jurídico ineficiente, lento e injusto com o contribuinte - que drena quase 2% do PIB brasileiro.

A crítica ideológica é aquela de viés político escondido (ou não) que critica a AED por seu "neoliberalismo" ou "eficientismo" de Chicago, parando seus estudos (estrategicamente) no Posner de 1970. Essa é a grande chaga do sistema universitário acadêmico brasileiro recheado de ideológicos entrincheirados. Em breve, dirão que Trump ou a CIA (evitarei candidatos brasileiros do mesmo escol diante das eleições que se avizinham) infiltraram professores de AED para corromper as almas puras dos jovens brasileiros que deveriam provavelmente defender o regime de Maduro, dos Castro e da Coreia do Norte (nenhum ideológico esperto fala mais da China, por razões óbvias). Por vezes, essa crítica pode se sofisticar e virar uma crítica ao individualismo metológico da Economia, confundindo ou deixando confundir um método científico próprio das ciências sociais (não o único) com o egoísmo; ou então dizer, num golpe de "supertrunfo", que "Law and Economics" fere "os direitos humanos". Ora bolas, como se algum professor de Direito e Economia fosse contrário aos direitos humanos!

A crítica egocêntrica é aquela que emerge da impossibilidade de reconhecer teorias criadas por outras pessoas, de outros lugares, de outras instituições. No sistema acadêmico feudal brasileiro, o pensamento é repassado "ad nauseam" de professores a alunos pela famigerada "linha de pesquisa" e pelo método de ensino expositivo. Imagine citar alguém de outra "linha, de outra faculdade ou de outro país! Execração certa!

Feitas essas advertências, pode-se então afirmar que o Direito e Economia ou (a AED) é um método interdisciplinar de estudar o "fenômeno" jurídico ou mais propriamente a experiência social jurídica. Ela se vale de ferramentas da Ciência Econômica - fundamentalmente, mas não apenas, da Microeconomia - para explicar os princípios e regras jurídicas e resolver problemas regulatório-normativos. Ou ainda, mais especificamente, para descrever o comportamento dos tomadores de decisão frente a dilemas jurídicos, bem como para proposição de uma regulação ou mesmo de interpretação de um princípio em um determinado caso. Não tenho conhecimento de professores sérios de AED que tenham mandado rasgar a Constituição ou o Código Civil por razões econômicas! Eles costumam ser mais inteligentes que isso...

Nesse sentido, em comum, os pesquisadores que trabalham com a AED aceitarão o individualismo metodológico e admitem - como regra, pelo menos - o agente (limitadamente) racional que faz escolhas e que percebe as normas jurídicas como grandes mecanismos de "preço" para suas condutas. Essa racionalidade o fará escalonar preferências, evitando as condutas de maior "custo", dentro de um cálculo pragmático de trade offs. Mas, naturalmente, não necessariamente a eficiência será o único valor a ser promovido pelo Direito (nenhuma das Escolas mencionadas defende isso hoje em dia).

Diga-se de passagem, essa presunção da racionalidade do tomador de decisão é pressuposto tanto do sistema jurídico (pense-se, por exemplo, nas teorias da capacidade e responsabilidade civil), quanto econômico. A racionalidade também era a presunção da filosofia moderna, apenas recentemente atacada mais em seus pressupostos quando aliada à literatura na criação da filosofia "crítica" e "pós-moderna". Mas individualismo metodológico está em oposição ao "holismo" metodológico e não ao altruísmo científico.

Até as pedras sabem que a Economia não explica tudo, nem a Psicanálise, a Física Quântica e a Sociologia. A ciência faz recortes de objeto e opções metodológicas de enfrentamento de problemas. Mas a ciência evolui aos poucos, em tentativa e erro.

Finalmente, outro ponto em comum do método da AED é o consequencialismo, que significa a necessidade de levar conta as possíveis consequências dos atos decisórios ao se ponderar atos com relevância jurídica (como a elaboração de contratos ou uma decisão judicial). Muitos críticos, normalmente adeptos de uma filosofia moral kantiana (individualista e racionalista, diga-se de passagem), costumam condenar esse raciocínio denominado de "utilitarista". Entretanto, como demostraremos em outra coluna, pesquisas de neurociência têm demonstrado que o cérebro humano é sim capaz de tomar decisões consequenciais e, mais do que isso, muitas vezes elas são desejáveis em casos difíceis, assim como aprovada em alguns casos pela maioria das pessoas em um universo pesquisado. Pena que o Poder Judiciário brasileiro tenha sido tão carente nesse método ao julgar temas difíceis como planos de saúde, acesso a medicamentos, previdência, entre outros, com o consequencialismo.

Portanto, não há como ser contra a AED, como é inviável ser contra a Sociologia ou a Filosofia do Direito. São apenas "visões da Catedral". Seria quase tão tolo como ser contra a Física e a Matemática. Para evoluirmos como sociedade, o melhor é que cada especialista cuide de fazer suas pesquisas, admitindo e convivendo com teorias e opiniões rivais. Deixemos que os alunos decidam o que lhes interessa livremente e que o tempo indique quem tinha razão.
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*Luciano Benetti Timm é advogado do escritório Carvalho, Machado e Timm Advogados, doutor em Direito, professor da FGVSP, da Unisinos/RS e ex-presidente da ABDE.

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