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O agravo de instrumento e as decisões proferidas nas ações de recuperação judicial

O cabimento de agravo de instrumento em face de decisões proferidas nas ações de recuperação judicial é medida crucial para o devido processual legal, sob pena de retardar inviabilizar a prestação jurisdicional e impor às partes prejuízo injustificável.

terça-feira, 2 de outubro de 2018

Atualizado em 24 de setembro de 2019 17:44

Uma das principais controvérsias instauradas com a vigência do CPC/15 diz respeito ao cabimento do agravo de instrumento, já que por vontade explícita do legislador, este recurso deve ser voltado apenas à impugnação das decisões interlocutórias taxativamente previstas no art. 1.015.

 

Essa inovação projetou importante reflexo nas ações de recuperação judicial, pois inexiste previsão no art. 1.015 de cabimento de agravo contra interlocutórias nelas proferidas.

 

Assim, num exame mais rígido - não necessariamente técnico - o agravo de instrumento somente seria cabível nas ações de recuperação judicial em decorrência da incidência do inciso XIII ("outros casos expressamente referidos em lei"), do art. 1.015, e nas hipóteses expressamente previstas na lei 11.101/05 (LRF), a saber, as decisões que: (i) julgam a impugnação de crédito (art. 17); (ii) concedem a recuperação judicial (art. 59, §2º); (iii) e decretam a falência (art. 100). Essa intepretação tem sido prestigiada no âmbito dos tribunais (TJES, AI 030179001661, 3 C., Rel. Des. Dair José Bregunce De Oliveira, 17/04/2018; TJES, AgInt-AI 00130021520178080011, 2 c., Rel. Des. Carlos Simões Fonseca, 12/09/18; TJES, AgInt-AI 00106837420178080011, 3 c., Rel. Des. Eliana Junqueira Munhos Ferreira, 20/07/18).

 

Essa posição tornaria irrecorrível, por exemplo, uma das decisões interlocutórias mais relevantes nas ações de recuperação judicial, que consiste no deferimento do "processamento da recuperação judicial" (art. 52), já que através dela que é nomeado o administrador judicial e determinada a suspensão das execuções ajuizadas em face do devedor.

 

A importância e dimensão dessa decisão interlocutória, como se pode notar, ultrapassa até mesmo o interesse individual do devedor, já que projeta efeitos numa grande massa de credores, fornecedores, empregados, enfim, assume real importância coletiva.

 

Em nosso sentir, não há que se privilegiar a corrente que defende a irrecorribilidade desses pronunciamentos, sob o argumento de que o rol do art. 1.015 é taxativo.

 

A definição pelo cabimento do agravo de instrumento não se passa pela ferrenha discussão a respeito da taxatividade do rol do art. 1.015, que atualmente se encontra sob específica análise do STJ, em sede de julgamento de recurso especial repetitivo (REsp. 1.704.520/MT).

 

A solução dessa questão, advém da percepção e reconhecimento de que o modelo de recorribilidade das interlocutórias, adotado pelo CPC, tem como pedra de toque a real possibilidade de a parte se insurgir em sede de apelação contra aquelas decisões que não podem ser impugnadas por agravo de instrumento no curso da demanda.

 

Por outras palavras, somente se concebe a irrecorribilidade imediata de interlocutória, se o procedimento em que ela for proferida permitir a reversibilidade de seus efeitos, após a prolação da sentença.

 

Não é por outra razão, que o legislador fez incluir o parágrafo único no art. 1.015, estipulando um critério de cabimento diferente daquele previsto nos seus incisos. Enquanto nestes o agravo é cabível contra certas interlocutórias, naquele o recurso é cabível independentemente do conteúdo, tipo ou natureza da interlocutória. Basta que tenha sido proferida em determinados processos.

 

É o que se lê: "Também caberá agravo de instrumento contra decisões interlocutórias proferidas na fase de liquidação de sentença ou de cumprimento de sentença, no processo de execução e no processo de inventário".

 

O elemento comum que justifica a recorribilidade imediata, por agravo de instrumento, de toda e qualquer decisão interlocutória proferida nesses casos é exatamente o seu procedimento, que faz com que após a prolação da sentença essas interlocutórias sejam irreversíveis.

 

Permite-se a impugnação imediata, pois, do contrário, inexistirá meio recursal apto a desfazer as decisões interlocutórias.

 

Esse elemento comum também se encontra nas Ações de Recuperação Judicial, já que, em razão de seu rito especial, inexiste a possibilidade - leia-se utilidade -- de a parte interpor recurso de apelação contra a sentença e obter a reforma da decisão interlocutória proferida em seu curso.

 

Isso porque, na sistemática da lei 11.101/05, só é proferida sentença após o cumprimento integral do plano de recuperação, conforme art. 63, decretando então o encerramento da recuperação judicial, momento em que eventuais prejuízos à recuperanda e aos credores já foi consolidado, tendo sido superadas todas as fases da recuperação judicial.

 

Assim, é inteiramente acertada e digna de destaque e registro a recente decisão do STJ (REsp 1.722.866), de relatoria do min. Luis Felipe Salomão, da 4ª turma, que endossou o entendimento acima e reconheceu a incompatibilidade procedimental da ação de recuperação judicial com o modelo de irrecorribilidade imediata das decisões interlocutórias - fazendo com que o agravo de instrumento seja cabível contra toda e qualquer decisão interlocutória proferida, independentemente de ter o conteúdo de um dos incisos do art. 1015, tal como, por exemplo, as que versam sobre tutela provisória (inciso I).

 

Com efeito, o cabimento de agravo de instrumento em face de decisões proferidas nas ações de recuperação judicial é medida crucial para o devido processual legal, sob pena de retardar inviabilizar a prestação jurisdicional e impor às partes prejuízo injustificável.

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*Flávio Cheim Jorge é advogado e sócio do Cheim Jorge & Abelha Rodrigues - Advogados Associados. Professor Titular da UFES. Mestre e doutor pela PUC/SP.



*Marcelo Nogueira é advogado e associado do Cheim Jorge & Abelha Rodrigues - Advogados Associados. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vergas.

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