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A ausência da ultratividade da norma coletiva - impacto na ausência de negociação

A ausência da ultratividade deve, no entanto, gerar por parte das empresas e mesmo dos trabalhadores estratégias para lidar com a demora na negociação coletiva e a vigência das regras contidas na convenção finda.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2018

Atualizado em 7 de outubro de 2019 16:28

Ultratividade: situação em que as regras contidas em instrumentos coletivos - acordos coletivos ou convenções coletivas aderem aos contratos individuais mesmo quando aqueles instrumentos perderam sua validade.

Nas relações de trabalho no Brasil, tivemos várias situações envolvendo a ultratividade. Ora a proibindo, ora a aplicando. Hoje, a legislação veda a ultratividade das regras coletivas, que perderão sua validade assim que os instrumentos coletivos tiverem sua vigência cancelada.

Qual o impacto nas relações de trabalho, nos contratos de trabalho e para as empresas?

É o que tentaremos abordar, ainda que de maneira rápida, neste artigo.

A primeira vedação á ultratividade:

Até 2012 vigorava redação da súmula 277 do TST que indicava textualmente que as regras coletivas não integram os contratos de trabalho individuais:

Nº 277: Sentença normativa. Convenção ou acordo coletivos. Vigência. Repercussão nos contratos de trabalho

I - As condições de trabalho alcançadas por força de sentença normativa, convenção ou acordos coletivos vigoram no prazo assinado, não integrando, de forma definitiva, os contratos individuais de trabalho.

II - Ressalva-se da regra enunciado no item I o período compreendido entre 23/12/92 e 28/07/95, em que vigorou a lei 8.542, revogada pela Medida Provisória 1.709, convertida na lei 10.192, de 14/2/01.

A redação foi modificada, sem que precedentes jurisdicionais, que deveriam servir de base para modificação, existissem, e a súmula passou a indicar que as normas coletivas integravam o contrato de trabalho individual até que fosse modificada por outro acordo coletivo.

Súmula 277 do TST

CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO OU ACORDO COLETIVO DE TRABALHO. EFICÁCIA. ULTRATIVIDADE (redação alterada na sessão do Tribunal Pleno realizada em 14.09.2012) - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

As cláusulas normativas dos acordos coletivos ou convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho e somente poderão ser modificadas ou suprimidas mediante negociação coletiva de trabalho.

Na prática a redação feria textualmente a lei que indica a validade das normas coletivas por dois anos, e acabava por enfraquecer a negociação coletiva.

As razões indicadas pelo TST para tal modificação estariam na nova redação do parágrafo segundo do artigo 114 da CF, que indicaria a manutenção de regras anteriormente fixadas, redação oriunda da EC de 2004.

Diz tal parágrafo: § 2º Recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem, é facultado às mesmas, de comum acordo, ajuizar dissídio coletivo de natureza econômica, podendo a Justiça do Trabalho decidir o conflito, respeitadas as disposições mínimas legais de proteção ao trabalho, bem como as convencionadas anteriormente. (Redação dada pela EC 45/04)

Pela simples leitura da lei verifica-se que a justificativa para alteração a redação da súmula não tem nenhuma relação com a EC indicada, e pior, após 8 anos de vigência da EC nenhum Tribunal Regional decidira de maneira reiterada em sentido inverso ao da redação então vigente (não ultratividade).

Mais ainda, o respeito às proteções convencionadas anteriormente somente se aplica em caso de julgamento de dissidio coletivo, evitando-se redução de direitos por sentença normativa.

Não se aplicaria à negociação coletiva voluntária, pois se o fizesse, feriria a liberdade negocial das partes.

Então, se a garantia de direitos anteriormente conquistados só vale para sentenças normativas, porque o TST alterou a súmula 277?

Alterou porque o mesmo parágrafo contém exigência esdrúxula, para dizer o mínimo, de que as partes ingressem co dissidio coletivo "de comum acordo". Ou seja, o mesmo que se exigir de um casal às turras que proponham o divórcio litigioso "de comum acordo".

No entanto, a falha redação constitucional não poderia servir de base para alteração de súmula sem precedentes normativos e justificada em hipótese legal que não se aplica às negociações voluntárias, mas somente, às sentenças normativas.

Em vista da ausência de precedentes jurisprudenciais anteriores, e em vista de ação judicial ADPF 323, decidiu o STF em sede liminar pela suspensão da aplicação da súmula 277 do TST, voltando a situação anterior, ou seja, a não aderência da regra coletiva ao contrato individual, e portanto a não obrigatoriedade de sua aplicação quando terminada a vigência de tal norma. Tal feito não foi ainda julgado em seu mérito, no entanto, nova legislação foi promulgada, agora com diretriz específica sobre a ultratividade.

Assim, em novembro de 2017 entrou em rigor a reforma trabalhista, que em seu artigo 614, teve alterado seu parágrafo 3º, que passa a vedar expressamente a aplicação da ultratividade da norma:

Art. 614 -

§ 1º

 

§ 2º

 

§ 3º Não será permitido estipular duração de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho superior a dois anos, sendo vedada a ultratividade.

Dessa forma, a ultratividade deixa de ser aplicada por força de lei, e portanto, a rigor, neste momento voltam as regras convencionais a ter validade no prazo de sua vigência, que por força de lei é de no máximo de 2 anos não aderindo ao contrato de trabalho.

O primeiro efeito dessa alteração é: Ou as partes negociam ou as regras perdem validade.

Portanto, cabe aos envolvidos nas negociações coletivas encontrarem mecanismos de negociação para não chegarem ao impasse gerado pela redação constitucional falha.

Há ainda outro efeito, e esse decorre da redação da súmula 51 do TST, que estabelece que normas regulamentar só pode ser alterada para contratos novos, não atingindo as relações contratuais anteriores.

Mas qual a relação dessa outra súmula com a ausência de ultratividade?

Para responder devemos considerar que os usos e costumes das empresas são fontes formais autônomas de direito do Trabalho, reconhecidos inclusive por lei, - veja-se a redação do artigo 8º da CLT:

Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por equidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público.

(.)

Assim, se uma empresa tem o costume de manter seus empregados em jornada de 40 horas semanais apesar de o contrato escrito prever 44 horas ou mesmo da norma constitucional prever 44 horas, e o faz reiteradamente, acaba por gerar uma norma interna tácita de que a jornada de seus empregados é de 40 horas semanais, sendo extra a superior à 41ª hora.

E as normas coletivas? Ora, se as normas coletivas não aderem ao contrato, e têm vigência somente durante a validade do instrumento coletivo que a institui, e a empresa não negociar sua alteração ou revalidação, ou os trabalhadores não negociarem por longo tempo, em se mantendo a aplicação de regras ali contidas que gerem benefícios aos empregados, sem um instrumento coletivo que a autorize, poderá gerar uma nova regra agora derivada do costume de manter as disposições.

Mais ainda, a aplicação de regra que relativize direito trabalhista, sem que o acordo coletivo que a estabeleceu esteja vigente pode gerar até mesmo situação de infração à norma trabalhista, gerando o risco não só de ações trabalhistas, mas mesmo de, em eventual fiscalização administrava (trabalhista ou previdenciária), ocorrer autuação da empresa por se verificar alguma infração legal.

Tal situação somada ao previsto na súmula 51 do TST poderá gerar novos riscos jurídicos às empresas, cabendo a elas mais uma vez buscar o gerenciamento do risco, que pode ser feito de diversas formas, tais como as abaixo, dentre outras, que devem ser estudados a cada caso:

a) prever já um prazo de vigência pós prazo convencional e enquanto as negociações se mantém no próprio instrumento coletivo,

b) notificar os sindicatos de que manterão tais regras por determinado tempo, mas depois deixarão de as aplicar.

A ausência da ultratividade deve, no entanto, gerar por parte das empresas e mesmo dos trabalhadores estratégias para lidar com a demora na negociação coletiva e a vigência das regras contidas na convenção finda.

A negociação coletiva precisa ser vista como um excelente instrumento de gerenciamento de relações trabalhistas e não como ingerência em vida empresarial, ou como redução de direitos.

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*Maria Lucia Benhame é sócia-fundadora do escritório Benhame Sociedade de Advogados.

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