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Decreto do presidente Bolsonaro e o Estatuto do Desarmamento

Este artigo não sustenta nenhuma posição política, apenas explicita as modificações de forma técnica-jurídica.

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Atualizado em 11 de outubro de 2019 16:11

Em tempos de fake news e em meio a tanta discussão e polêmica sobre a recente decisão do presidente Bolsonaro, que promulgou o decreto 9.685/19, instituindo singelas alterações no Estatuto do Desarmamento (lei 10.826/03) e regramentos pertinentes (como o decreto 5.123/04, que o regulamenta), é oportuno delinear algumas palavras sobre o assunto, a título de esclarecimento, pois a população e até mesmo a imprensa vem divulgando fatos incorretos.

Em que pese haver pessoas favoráveis e outras não favoráveis, prestigiando a opinião de todos, vale observar tratar-se da legislação em vigor, e como tal deve ser observada, e que o aludido decreto não revogou a lei, mas fez tão somente pequenas modificações nas normas que já existem há muitos anos, instituídas por outro governo inclusive. Historicamente, as leis no mundo todo são elaboradas conforme a vontade da maioria da população e ainda para o controle social, dentre outros elementos e situações.

A legislação das armas em vigor é antiga (2003) e já passou por mudanças e regulamentações, como ocorre com todas as leis, atravessando até mesmo pelo referendo popular de outubro de 2005, onde a maioria da população do Brasil optou pela não revogação do Estatuto.

Para ser breve, em pontos principais, urge destacar o seguinte: as alterações em questão não facilitaram a aquisição da arma de fogo (para a posse) como estão dizendo por aí; com relação ao porte (transitar com a arma), não houve alterações, continua dificílimo; e as exigências para ter uma arma em casa continuam ferrenhas, havendo árduas restrições.

Em suma: quem quiser adquirir uma arma de fogo deverá passar por diversas provas e cumprir uma série de rígidos requisitos, NÃO É PARA QUALQUER UM, não pode ostentar antecedentes criminais, nem responder a inquérito policial ou processo criminal, deve ter residência certa, ocupação lícita, apresentar certidões, tem que passar por criteriosos exames psicológicos/psicotécnicos, provas práticas, aptidão técnica, testes sob os componentes da arma e avaliação sobre a legislação, dentre outras tantas coisas. E no estudo das leis e regulamentos que versam sob o assunto, o interessado vai saber que as consequências de se ameaçar, efetuar um disparo, atirar em alguém ou mesmo negligenciar ou exibir sua arma a esmo continuam as mesmas, ou seja, processo criminal, prisão, ficha suja e duras penas em caso de condenação. Arma de fogo é para ser usada exclusivamente em questão de segurança e para legítima defesa, evidentemente com o devido preparo e atendendo às condições legais.

Portanto, o novo decreto é MUITO PERTINENTE, onde o presidente somente preencheu uma lacuna em branco, esclarecendo sobre o que é ter efetiva necessidade, ou seja, o motivo pelo qual o interessado precisa de uma arma de fogo em sua casa ou local de trabalho (quando for o titular ou o responsável legal). APENAS ISSO. Pois antes, o critério era subjetivo da autoridade policial (leia-se: delegado federal), e ele que escolhia e entendia a pertinência ou não da sua justificativa. Hoje é objetivo, ou seja, comprova-se o que está na lei e pronto, o que é muito melhor, correto, evita injustiças, fornece segurança jurídica, normatiza a questão administrativa e estabiliza os direitos dos cidadãos. Sem prejuízo, em contrapartida é certo que também há o direito do Estado em fiscalizar e punir qualquer informação inverídica prestada pelo interessado, caracterizando o devido equilíbrio na relação entre o Estado e o cidadão. Não se cuida de retirar o poder discricionário do Estado, mas sim de justa e devida regularização.

Ressalte-se ainda haver, na esfera constitucional, diversos dispositivos que tutelam tais direitos, como o direito à segurança, e na esfera infraconstitucional, o direito à legítima defesa. Para quem nunca teve contato com armas ou com o assunto, ou ainda pretende ter uma arma de fogo, convém saber que após passar por todo o longo e difícil trâmite, cumprir todos os requisitos e obter aprovação para a posse (frise-se: totalmente diferente do porte), via de consequência surge automaticamente um rigor enorme sobre a responsabilidade e consequências que advém do fato de possuir uma arma de fogo. Pois o interessado, se tinha dúvida, agora terá certeza que se fizer mau uso do objeto, poderá cometer crimes, acabar com sua vida e liberdade dentro de uma sórdida prisão brasileira e ter inalteráveis e desastrosos antecedentes criminais.

O novo decreto NÃO PERMITE que qualquer cidadão saia comprando armas indiscriminadamente. Armas ilegais devem ser retiradas de circulação pelo Poder Público, e a violência e a criminalidade devem ser coibidas. Já as armas legais continuam na prática como estavam antes da publicação do decreto: com toda a severidade para sua aquisição. Logo, na prática, pouco mudará. Este artigo não sustenta nenhuma posição política, apenas explicita as modificações de forma técnica-jurídica.

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*Érico Della Gatta é advogado, examinador e instrutor do Tribunal de Ética da OAB/SP.

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