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MP 873: Contribuição Sindical não poderá mais ser descontada em folha

A MP 873/19 altera os artigos 545, 578, 579, 579-A e 582 da CLT e revoga outros dois dispositivos legais da CLT e da lei 8.213/91.

quarta-feira, 27 de março de 2019

Atualizado em 26 de março de 2019 09:06

Em 1º de março de 2019 foi publicada a MP número 873, que alterou as regras para cobrança da contribuição sindical.

A MP 873/19 altera os artigos 545, 578, 579, 579-A e 582 da CLT e revoga outros dois dispositivos legais da CLT e da lei 8.213/91.

De forma resumida, as principais alterações trazidas pela MP 873/19 são as seguintes:

a. Não vale autorização de desconto da contribuição sindical por aprovação em assembleia, eis que tal autorização deve ser individual e expressa;

b. A contribuição sindical deve ser paga por boleto bancário, não mais por desconto salarial.

A regulamentação da questão pelo Poder Executivo vem para ratificar a "reforma trabalhista", no sentido de tornar (verdadeiramente) facultativo o pagamento por empregados e empregadores da contribuição sindical correspondente a um salário-dia do empregado ou a valor definido conforme o capital social da empresa, no caso de empregadores.

Da necessidade de autorização prévia, voluntária, individual e expressa

As alterações afetam o recolhimento da contribuição realizado por meios não condizentes com a manifestação expressa da vontade do trabalhador. Isso porque, diante da conversão da contribuição sindical pela "reforma trabalhista", de compulsória em facultativa, muitas entidades sindicais buscaram estratégias jurídicas para dar ares de regularidade ao desconto não expressamente autorizado. A principal delas foi a tentativa de fazer valer autorizações "em lote" pela categoria inteira reunida em Assembleia da entidade sindical. Não foram poucas as convenções coletivas nas quais se inseriram cláusulas, a partir de novembro de 2017, indicando que a categoria autorizava o recolhimento da contribuição. Com as novas regras, torna-se expressamente vedada a autorização coletiva para o desconto, passando a constar da redação do artigo 578 da CLT as condições de existir "prévia, voluntária, individual e expressa" autorização pelo empregado.
A autorização é condicionada à forma escrita e individual, não sendo aceita, portanto, a autorização por delegação.

Da vedação ao desconto em folha

Além disso, a MP também altera a forma de recolhimento das contribuições sindicais, que deixam de ser descontadas diretamente pelos empregadores em folha de pagamento e passa a ser cobrada por boleto bancário enviado à residência do empregado que deve ter autorizado expressamente a cobrança (sendo vedado o envio ao empregado que não permitiu tal autorização).

Essa alteração aproxima o Sindicato de seu representado, e corrige a difícil situação de diversos empregadores, que se viam em meio a um fogo cruzado de interesses, com a obrigação legal de realizar descontos em favor de entidade sindical nos proventos de seus empregados, sem concordarem com isso - por vezes chegando à judicialização da questão com pedidos de restituição dos descontos efetuados. Também evita que empregados realizem o pagamento sem concordarem expressa e individualmente com o ato (o que ocorria com o mecanismo anterior, de desconto automático de valor não expressivo).

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Panorama geral

Essas alterações devem afetar ainda mais a receita das entidades sindicais.  Os recolhimentos de 2018 foram inferiores aos de 2017 em mais de R$ 2 bilhões apenas considerando as entidades de empregadores, e a expectativa é que a cobrança exclusiva por boleto bancário e com autorização escrita de cada trabalhador fará despencar ainda mais os números.

É relevante notar que a MP entra em vigor em 1° março, justamente aquele no qual era feito o pagamento da contribuição por dedução em folha de pagamento, isentando de responsabilidade as empresas que não efetuarem qualquer desconto.

Com a queda brutal de suas receitas, as entidades sindicais precisam se reinventar para manter as contas. Serviços anteriormente gratuitos têm sido alvos de cobrança (como cálculos de rescisão contratual e assistências na homologação), ativos imobilizados têm sido cedidos ou compartilhados e até a disponibilização de cópias das Convenções Coletivas de Trabalho, que contêm os direitos da categoria, estão sendo feitas mediante pagamento (embora sejam, por lei, públicas e obrigatoriamente devam ser registradas no Sistema Mediador do antigo ministério do Trabalho, disponíveis para consulta). Também há o risco de enfraquecimento do papel efetivamente negocial das entidades sindicais e de uma maior judicialização de situações para que os sindicatos busquem em honorários advocatícios a manutenção de suas atividades (o que evidentemente é uma inversão de valores).

Atentos à situação, os deputados que representam os interesses das Centrais Sindicais tentam articular no Congresso a adição de emendas à MP 873/19, de modo a facilitar a cobrança das Contribuições Sindicais. Uma das medidas estudada pela bancada é a criação do Conselho Nacional de Autorregulação Sindical, entidade que poderia viabilizar a autorização coletiva da cobrança da contribuição. Governistas prometem, por outro lado, vetar qualquer tentativa de virada de mesa.

A questão foi um dos principais temas de polêmica após a aprovação da "reforma trabalhista", ensejando no ajuizamento de inúmeras Ações Civis Públicas, Ações Coletivas, Mandados de Segurança e Ações de cobrança por parte de entidades sindicais. O STF, no entanto, resolveu a questão (do ponto de vista jurídico - não político) decretando por seis votos a três a constitucionalidade da lei que tornou facultativo o recolhimento das contribuições, ao julgar a ADIn  5794, outras 18 ADIns ajuizadas contra a nova regra e na ADC 55, em junho de 2018

A facultatividade do pagamento das contribuições sindicais está perfeitamente alinhada com o princípio democrático no seio da representação das categorias por Sindicatos, sobretudo diante do sólido obstáculo à representatividade efetivamente democrática consubstanciado pela Unicidade Sindical. 

Embora ainda não seja juridicamente viável a existência de pluridade de sindicatos de uma mesma categoria, na mesma base territorial (já que o Brasil ainda não ratificou a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho/OIT, que disciplina a Liberdade Sindical), o que certamente geraria uma concorrência pelo voto de confiança (e pagamento da contribuição) dos empregados, ao menos as regras atualmente vigentes se direcionam à plenitude do consentimento do empregado com o pagamento e com a representação.

O caráter facultativo do pagamento das contribuições sindicais deve, de todo o modo, ser interpretado como um estímulo à efetiva atuação sindical, no sentido de cativar o empregado e tornar plena e democrática a representatividade sindical que a Constituição de 1988 desenhou, muito deturpada, nas últimas décadas.

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*Mauricio Reis e Daniel Ybarra de Oliveira Ribeiro  são advogados no Rocha e Barcellos Advogados.

Rocha e Barcellos Advogados

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