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Segurança privada - características da atividade, responsabilidades e prerrogativas dos vigilantes. O caso dos menores no Shopping Pátio Higienópolis

O caso teve grande repercussão, por envolver questões sensíveis de nossa organização social e ao efetivo amparo às crianças e adolescentes.

segunda-feira, 8 de abril de 2019

Atualizado em 3 de abril de 2019 17:18

Recentemente houve episódio envolvendo o Shopping Pátio Higienópolis em São Paulo, que interpôs ação requerendo que menores desacompanhados que estivessem cometendo supostas infrações, pudessem ser apreendidos por seus vigilantes privados, até a chegada das autoridades competentes.

O caso teve grande repercussão, por envolver questões sensíveis de nossa organização social e ao efetivo amparo às crianças e adolescentes, e por conta disso o cliente de nossa banca, Sindicato dos Vigilantes de São Paulo - Seevissp, foi, juntamente com outros diversos órgãos e instituições, oficiado pelo MP Estadual a fornecer informações, sobretudo sobre a adequação do treinamento dos vigilantes.

Em representação de nosso cliente, analisamos e elaboramos resposta ao ofício, ocasião em que pudemos perceber que há desconhecimento sobre vários aspectos relacionados à natureza, organização, responsabilidades, prerrogativas e limites da função do vigilante/segurança privado; razão pela qual, com base na manifestação elaborada, decidimos por escrever o presente artigo, como forma de contribuir ao entendimento das pessoas e da sociedade sobre as características da profissão, que por diversas razões está bastante presente em nosso dia a dia.

A atividade de segurança privada está regulamentada por lei federal e por portarias e demais atos normativos da Polícia Federal, que possui delegacia/departamento especializado na sua coordenação e regulamentação, denominado Delesp.

Toda a normativa, assim como atos administrativos em geral, podem ser consultados no sitio de internet da Polícia Federal.

O treinamento dos profissionais vigilantes, assim como os currículos dos cursos de formação e reciclagem, os requisitos para os exames psicológicos e psicotécnicos, as condições para a constituição de empresas e centros de treinamento e a fiscalização das empresas em diversos espectros, tanto de segurança quanto de formação de vigilantes e também das atividades de carro forte e escolta armada, são procedimentos que obedecem a regras rígidas, e estão todos adstritos ao Departamento da Polícia Federal já citado e bem assim ao Ministério da Justiça.

Outro aspecto, é que a legislação vigente torna a existência do vigilante totalmente dependente da existência da empresa de vigilância, que também deve ter seus atos constitutivos aprovados pelo Ministério da Justiça e bem assim cumprir todas as normas legais atinentes ao setor.

O vigilante no Brasil somente existe caso mantenha vínculo empregatício com uma empresa de segurança legalmente constituída. O vigilante possui o seu treinamento, que deve ser pago pela empresa, possui sua CNV - Carteira Nacional do Vigilante - emitida pela Polícia Federal, mas somente será realmente vigilante enquanto vinculado a uma empresa específica de vigilância/segurança.

Uma variante dessa condição é o caso da chamada "vigilância orgânica", que nada mais é que uma autorização para Resultado de imagem para segurançaque uma empresa de outro ramo de atividade contrate vigilantes diretamente e organize seu plano de segurança. Para tanto, tal empresa, p. ex. do ramo da indústria ou comércio. deve constituir um departamento interno e registrá-lo na Polícia Federal, cumprindo todas as exigências em isonomia a uma empresa de vigilância, ou seja, um departamento orgânico é uma pequena empresa de segurança dentro da empresa de outro ramo de atividade, e a fiscalização, treinamento etc, deve seguir as exatas regras da normativa do setor; sendo que a condição do vigilante de estar sempre obrigatoriamente vinculado a alguma empresa não se altera.

Há uma questão que entendemos ser de ordem pública, e bem assim afeta toda a sociedade. Existe no setor um grave problema de desvio funcional. Várias empresas tentam economizar na contratação de profissionais voltados à segurança, e buscam profissionais "fake", termo determinado por modismo atual.

Tais empresas contratam diretamente ou através de terceiros e quartos, profissionais com denominações de "fiscais de patrimônio", "vigia/porteiro", "vigia", "atendente", "fiscal de segurança", sendo que nos shoppings o mais comum é encontrarmos um profissional que denominam "fiscal de piso".

Enfim, são profissionais sem qualquer treinamento, sem teste psicológico ou psicotécnico, sem garantias de que não tenham antecedentes criminais, e assim tais empresas, que não são efetivamente de segurança, mais que utilizam em geral nomes e razões com alguma semelhança com o setor, gastam com tal contratação muito menos da metade do que gastariam ao contratar um profissional regulamentado em uma empresa de segurança legalizada; pois não cumprem o piso salarial, não fornecem colete a prova de balas, não pagam o adicional de periculosidade de 30%, não fornecem ticket refeição ou convênio médico, e por escaparem da fiscalização sindical se livram de ações coletivas, podendo sonegar parte do FGTS, parte das horas extras e adicional noturno, sendo que tal indústria (dos vigilantes fakes) vem crescendo, e a atual crise econômica favoreceu ainda mais seu desenvolvimento.

Veja-se que não estamos afirmando que o Shopping em questão utiliza de mão de obra irregular. Até onde sabemos, a empresa prestadora de serviços de vigilância ao Shopping é regular e conceituada. Estamos dizendo que há shoppings e também outras empresas que vem há tempos substituindo seus vigilantes por tais profissionais irregulares, em patente desvio funcional, sendo que em muitos casos há uma substituição apenas parcial, havendo em geral alguns vigilantes que trabalham com vários "fiscais de piso", por exemplo, sem que haja hierarquia entre eles, e sujeitos a uma coordenação comum. Isso vem ocorrendo muito também no setor público, em que sistematicamente, por alegada dificuldade orçamentária, os vigilantes vêm sendo substituídos por outros profissionais não treinados.

O final do tópico anterior nos remete a outro problema do setor. Trata-se de um setor terceirizado, cuja terceirização foi permitida e consagrada há décadas, e que ao longo do tempo vem sofrendo uma grande redução de sua margem.

Uma significativa parte dos vigilantes se ativam em órgãos públicos, por intermédio de contratos terceirizados junto à Administração Pública, e há empresas diversas useiras e vezeiras em concorrer com preços classificados como inexequíveis, que somente são possíveis em face da constante e deliberada lesão ao erário e aos trabalhadores, pois tais empresas não recolhem tributos e nem pagam os direitos trabalhistas de forma correta, e ao final de alguns anos, como soe ocorrer nos setor, simplesmente desaparecem sem deixar bens, sendo ainda comum que em seguida os empresários se utilizem de laranjas na constituição de outras empresas, dando continuidade à delapidação, e toda a conta, de ações trabalhistas e ações coletivas trabalhistas e outras, recaem sem exceção sobre o erário, em vista da responsabilidade subsidiária, e pior, o erário em vários casos não possui qualquer documentação do contrato, alcançando tais ações valores milionários, sem comprovação de que tenham fiscalizado o contrato; e bem assim, em última instância, quem sempre paga toda essa conta é o contribuinte; a sociedade brasileira.

Como as empresas do setor, em identidade ao que ocorre em geral nas empresas prestadoras de serviços, não possuem patrimônio, costumam desaparecer do dia para a noite, sem pagar salários e dívidas, e bem pior, sem que haja qualquer satisfação sobre suas armas e coletes a prova de balas e outros aparatos paramilitares.

Quanto à representação coletiva dos empregados na categoria, e reafirmamos que só existe vigilante caso exista vínculo de emprego com empresa ou departamento orgânico de segurança, temos que existem as convenções coletivas e acordos coletivos firmados na categoria, sempre com a persistente tentativa de garantir boas condições de trabalho, proteção aos trabalhadores, cumprimento da legislação em vigor e aperfeiçoamento das normas existentes, fiscalização constante de empresas e denúncias constantes de diversas irregularidades, e bem assim milhares de ações de natureza coletiva em andamento, havendo também amparo constante aos indivíduos membros da categoria.

Mas por evidente não está ao alcance dos entes sindicais a criação ou alteração das normas legais existentes que disciplinam a matéria, da mesma forma que as normas e disposições coletivas não atingem ou contemplam os trabalhadores das empresas irregulares, que no geral tem nenhuma ou pouquíssima proteção.

E voltando ao início, no que tange por mais específico, à ação impetrada pelo Shopping Pátio Higienópolis, de que e pelo que tivemos ciência, a inciativa partiu do próprio Shopping, e não da empresa de segurança à qual os seus vigilantes estão vinculados. Não há qualquer menção ou suspeita de que qualquer profissional tenha se ativado de forma reprovável, e o profissional vigilante sabe muito bem, porque formado e treinado, que não lhe é atribuído o poder de apreender nada nem ninguém.

Nas situações supostamente tratadas na referida ação, ainda mais porque dizem respeito a menores, o vigilante sabe muito bem que não tem qualquer poder além do que possui qualquer cidadão, e que está sacramentado na CF.

Se nos cabe opinar, a questão que foi de tal forma tratada pelo Shopping, somente será solucionada através de diálogo e reunião da comunidade, com atitudes e programas voltados à educação e ao bem-estar da criança, em conjunto com órgãos públicos, estes inclusive que infelizmente não cumprem suas obrigações.

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*Mauro Tavares Cerdeira é sócio fundador da Cerdeira Rocha Advogados e Consultores Legais

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