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Nuvens negras

No Brasil dos últimos sete meses, têm vindo à luz atos preocupantes.

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Atualizado às 10:20

Vejo pessoas, com ar de preocupação, dizendo que o Brasil está caminhando para uma ditadura. Talvez imaginam que, para chegar à ditadura, tenha que haver um decreto, anunciando-a. Quiçá pensam que assim foi ao tempo da revolução de 64, porque houve o Ato Institucional 5. Todavia, a edição do Ato, naquela época, foi só um reforço para as atrocidades que já se cometiam e um freio às tentativas de buscar, naquela época, socorro em instituições que ainda subsistiam, tanto que ele surgiu somente em 1968.

A ditadura para eclodir não necessita de um evento formal proclamando-a; ela se manifesta por atos reiterados que deixam evidente o intuito de uma pessoa ou de um grupo assenhorear-se do poder, ou seja, conduzi-lo a seu modo e segundo seus interesses.

No Brasil dos últimos sete meses, têm vindo à luz atos preocupantes. O Executivo governa por decreto, com o que faz pouco do Legislativo. O presidente, ignorando o poder de persuasão que carrega sua fala, valendo ou não, apregoa o uso de arma, a desnecessidade de terra para os indígenas, o desmatamento. Pinta como safados os da comunidade LGBT, interfere na cultura, na ciência, no trânsito, atrapalha até jogo de futebol. Reescreve com sordidez e espírito de crueldade o passado do Brasil. Define crimes e faz ameaças nas conversas de rua cobertas pela mídia, onde também já julga e diz, em gíria de botequim, que fulano ou beltrano vai pegar cana. Alheio à liturgia do cargo, nomeia e demite na calçada e pela televisão; discrimina Estados e brasileiros; aplaude seu assecla, quando propõe queimar provas e extraditar sumariamente quem com ele não comunga; escolhe embaixador de seu interesse e só não vê mal nos desmandos de sua família, que pode usar os bens públicos quando precisar, não devendo ser molestados por investigações.

Tudo isso não assustaria, se houvesse uma consciência crítica. Quase 30% da população, porém, crê no próprio comandante ou aceita-o a pretexto de existirem figuras que são acreditadas como impolutas no seu Governo. Fazem alardes, são ferozes, usando as redes sociais, onde não se preocupam com a civilidade, não discutindo ideias, mas impondo vontades.

Boa parte da mídia faz coro com esse contingente. Sustentam, dando espaço àquilo que basta noticiar, mas o que nem chega a tanto tacham de questões controvertidas. O adjetivo, todavia, só cabe se emprestar àquilo que possa ser discutido com argumentos, não simplesmente com frases de botequim, também comuns ao nosso capitão.

O Legislativo, em sua esmagadora maioria, alimenta-se de emendas, rendendo-se a quem tem a chave do cofre. Ademais, precisa jogar com o eleitorado e ainda lhe causa impacto o apoio das redes sociais e da mídia ao comandante. Sente-se, é lógico, desprestigiado com o governo por decreto e, de quando em vez, mostra força recusando alguma iniciativa a ele proposta, mas esse alento tem vida curta.

Resta o Judiciário, pois se sabe que a última palavra a ele cabe. Suas decisões têm credibilidade e rendem respeito uma vez que devem vir fundadas na Constituição e nas leis. Dia desses, numa única sessão, por exemplo, ele mostrou seu vigor, colocando vários atos e intenções malévolos no seu devido lugar. Do mesmo modo procedeu quanto à transferência do Lula. Teme-se, porém, a clara divisão que nele existe, onde transparece um chamado, aceito por alguns, para priorizar os interesses econômicos e apego a que respeite e se vergue à voz das ruas. Se a Justiça titubear, se confirmará o que já se mostrou e certamente teremos que tentar subsistir nas sombras onde a esperança se sepultará.  

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t*Clito Fornaciari Júnior é sócio do escritório Clito Fornaciari Júnior - Advocacia.

 

 

 

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