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Coronavírus e as alternativas para o funcionamento do Poder Judiciário

Nelson Soares de Rezende e Danilo Miranda

Sem a convergência de esforços para encontrar soluções ágeis, porém, o que nos resta é apenas a paralisação do Poder Judiciário e a falta de apresentação de alternativas.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Atualizado às 10:09

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Os governos de vários países vêm tomando decisões para evitar o crescimento exponencial da propagação da covid-19, doença provocada pelo coronavírus, alguns com mais eficácia, outros com menos. Embora o vírus não tenha uma letalidade muito grande, sua propagação é muito rápida e o impacto político é muito alto, por colocar em cheque toda a estrutura de suporte do governo à saúde da população.

A economia de vários países tem sofrido fortes impactos, com a necessidade de bloqueio de fronteiras; redução de horários de funcionamento ou, mesmo, de fechamento de fábricas, comércio e paralisação das áreas de turismo e viagens. Empresários começam a se preocupar com a preservação das suas empresas e os funcionários, com a manutenção dos seus empregos.

Há poucos dias o CNJ determinou a suspensão de todos os prazos processuais até 30 de abril, bem como do trabalho presencial de magistrados, servidores, estagiários e colaboradores nas unidades judiciárias, mantendo apenas os serviços essenciais em cada tribunal.

Estão suspensas inclusive as sessões de mediação e conciliação presenciais, por dependerem da presença física das partes nos CEJUSCs. Desta forma, adia-se a oportunidade de as partes tentarem negociar seus interesses e compor um acordo, o que é especialmente gravoso em um momento crítico como este, em que os conflitos tendem a se avolumar.

Com toda essa necessidade de afastamento social, empresas especializadas estão disponibilizando, gratuitamente, o uso de suas plataformas de comunicação on-line (meeting solutions) que permitem realizar reuniões virtuais, webinars por vídeo, salas de videoconferência, educação a distância, reuniões on-line, entre outros. Grandes empresas, como Apple, Google, Microsoft, Facebook e IBM estão redesenhando todos os seus eventos tecnológicos para realização exclusivamente no formato virtual.

Num mundo globalizado em que as tecnologias têm avançado tanto, e de forma cada vez mais rápida, com a disponibilidade de diversas plataformas especializadas em mediação on-line, a questão que se coloca é: por que não dar continuidade às mediações de forma virtual, já que a maioria dos processos são eletrônicos e podem ser geridos durante o regime de teletrabalho externo?

No âmbito dos métodos adequados de resolução de conflitos on-line (ODR), algumas ferramentas já são utilizadas em câmaras privadas brasileiras. O próprio governo federal tem estimulado o uso da plataforma consumidor.gov.br para facilitação de diálogo e solução de conflitos entre consumidores e empresas. O Modria, por sua vez, ferramenta utilizada pela CAMES, é bom exemplo de plataforma utilizada pelo Poder Judiciário norte-americano, país que soluciona mais de 60 milhões de casos por ano por meio desse mecanismo.

Independentemente da plataforma adotada, entendemos que as mediações poderiam ser realizadas de duas formas, no atual cenário:

1) sob a supervisão dos funcionários dos CEJUSCs (Centros Judiciários de Solução de Conflitos), que fariam os agendamentos por meio de trabalho remoto e com as mediações sendo conduzidas remotamente por mediadores judiciais devidamente qualificados em ODR; ou

2) por meio de encaminhamento eletrônico para as câmaras privadas credenciadas junto ao Tribunal, que disponham de plataforma de ODR e de mediadores devidamente qualificados. Neste último caso, as próprias câmaras poderiam se encarregar dos agendamentos com as partes e seus respectivos advogados.

Pelo que se tem notícia, entretanto, a maioria dos nossos tribunais não contam atualmente com soluções próprias de resolução digital de conflitos e não estão preparados para assumir a gestão de mediações online, ao menos no curto prazo.

Por outro lado, muitas câmaras privadas, credenciadas nesses órgãos, já oferecem esse tipo de serviço regularmente, de acordo com as regras e condições disponíveis em seus sítios eletrônicos. A decisão de pagar pelo serviço ou aguardar a normalização dos serviços públicos dos tribunais seria uma decisão exclusiva das partes, de acordo com o previsto no artigo 169 do CPC/15.

Em um momento como este, em que as pessoas não podem se aproximar uma das outras, temos oportunidade para pensar juntos em um fluxo operacional que permita que nossos tribunais trabalhem em parceria com as câmaras privadas credenciadas, especialmente na utilização de mediação online, possibilitando que as pessoas encontrem espaços adequados para evitar a escalada de conflitos.

Sem a convergência de esforços para encontrar soluções ágeis, porém, o que nos resta é apenas a paralisação do Poder Judiciário e a falta de apresentação de alternativas. Quais as consequências e qual o tamanho do prejuízo que isso trará para uma infinidade de pessoas e de negócios, contudo, é algo que apenas com o tempo conseguiremos avaliar.

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*Nelson Soares de Rezende é coordenador do Núcleo Nacional Especializado em ODR da CAMES. Mestre em Engenharia de Sistemas e Computação e graduado em Matemática pela Universidade de Brasília.

*Danilo Miranda é sócio-fundador da CAMES, mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP, MBA em Finanças pelo IBMEC, Diretor do IPCOM e Presidente do Conselho Fiscal do CONIMA.

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