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O uso de quotas preferenciais nos contratos de Vesting para Startups

Alteração na diretriz de registro das sociedades limitadas amplia a oportunidade das operações de Vesting em empresas emergentes.

quinta-feira, 9 de julho de 2020

Atualizado às 11:35

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O ecossistema de startups, empresas de natureza embrionária que buscam rápido crescimento em ambientes econômicos de alto risco e incerteza, cresce no país de forma exponencial, tendo movimentado em torno de U$ 2,71 bilhões em operações de investimento no ano de 20191.

Sendo empresas recém constituídas que não dispõem de grande capital e operações ainda deficitárias, a captação de talentos e recurso humano necessário para o seu desenvolvimento é, por muitas vezes, feita não com a proposta de vultosos salários, mas sim pela combinação de salários modestos com participações societárias no empreendimento. A oferta de participação societária, somente é possível pois há a crença de que, caso seja atingido o sucesso do negócio, cada parcela de titularidade da empresa será valiosa o suficiente para justificar que o colaborado abra mão de maiores salários e assuma parte dos riscos do empreendimento pelos colaboradores.

Esse tipo de negociação usualmente toma a forma dos chamados contratos de Vesting, originários do sistema legal norte-americano, em que, a partir de negociação entre colaborador e os sócios fundadores, é determinado um cronograma de aquisição da participação societária pelo colaborador, a qual pode ser condicionada ao atingimento de determinadas metas vinculadas ao desempenho ou ao tempo de permanência do indivíduo na empresa2.

Em qualquer de suas modalidades, a utilização de operações de Vesting traz aos sócios fundadores uma importante questão, a qual decorre da ampla adoção do tipo societário de Sociedade Limitada pelas Startups: a diluição e distribuição de poder decisório.

A transferência de participação societária para novos sócios ou colaboradores, seja por emissão de novas quotas seja por cessão daquelas já existentes, invariavelmente implicará a modificação da parcela de participação detida pelos sócios fundadores. Em empresas de capital social reduzido, uma série de pequenas variações nas participações societárias pode representar uma alteração na estrutura de poder decisório nas deliberações sociais.

Conforme dita o Código Civil Brasileiro, a aprovação das deliberações sociais de maior relevância depende da anuência de, pelo menos, 50% do capital social, podendo chegar ao patamar de 75% do capital social3. Ou seja, para ter o pleno poder decisão sobre à administração da empresa, os sócios fundadores precisariam manter a titularidade de, no mínimo, três quartos do capital social, de modo que somente o restante poderia ser seguramente distribuído entre os demais colaboradores.

Esta realidade por muitos anos limitou a possibilidade de utilização do Vesting para Startups, pois o problema da diluição e distribuição de poder decisório somente poderia ser resolvido após a conversão para Sociedade Anônima, pela possibilidade de emissão de ações preferenciais sem direito de voto. Não obstante, a conversão para Sociedade Anônima representa um aumento importante nos custos e burocracias legais, motivo pelo qual essa hipótese somente é cogitada pelas Startups após a aquisição de maiores investimentos ou a consolidação de suas operações e estrutura de capital.

Contudo, o Departamento de Registro de Empresas e Integração, ao alterar o regramento de registro de atos empresariais, autorizou expressamente a emissão de quotas preferenciais pela sociedades limitadas, inclusive sem o direito de voto, sob a regência supletiva das normas das sociedades anônimas. Tal mudança representa um importante marco no direito societário brasileiro, que muito beneficiará as empresas brasileiras, especialmente as Startups.

Ainda que permitida pelo artigo 1.053 do Código Civil, a regência supletiva da sociedade limitada pelas normas da Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/76 ou LSA) é tópico amplamente debatido pela doutrina do Direito Societário, especialmente sobre a possibilidade de criação de quotas preferenciais.

No âmbito do regramento infralegal de registros empresariais, o Manual de Registro de Sociedades Limitadas aprovado pelo antigo Departamento Nacional de Registro do Comércio no ano de 2003 vedava expressamente a utilização das quotas preferenciais pelas sociedades limitadas. Já o posterior Manual de Registro das Sociedades Limitadas, instituído pela IN DREI n. 38/2017, ao tratar da regência supletiva das normas da LSA, alterou o entendimento do órgão governamental, referindo a possibilidade de criação de quotas preferenciais, sem, contudo, trazer maiores instruções sobre como isso poderia/deveria ser feito.

Por sua vez, a recente IN DREI n. 81/2020 promoveu nova atualização do Manual de Registro de Sociedades Limitadas, mantendo a permissão constante no manual anterior e complementou com o regramento específico sobre a emissão de quotas preferenciais:

5.3.1. Quotas preferenciais

São admitidas quotas de classes distintas, nas proporções e condições definidas no contrato social, que atribuam a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos, podendo ser suprimido ou limitado o direito de voto pelo sócio titular da quota preferencial respectiva, observados os limites da Lei nº 6.404, de 1976, aplicada supletivamente.

Havendo quotas preferenciais sem direito a voto, para efeito de cálculo dos quóruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil consideram-se apenas as quotas com direito a voto.

O novo regramento esclareceu os dois principais pontos de dúvida sobre a aplicação da figura das quotas preferenciais nas sociedades limitadas: os limites legais a serem observados e o tratamento das quotas preferenciais sem poder de voto nos cálculos de instalação de reuniões ou assembleias e deliberações sociais.

Primeiramente, a criação de quotas preferenciais pelas sociedades limitadas deverá observar os limites impostos pela LSA.

Observando o que determina o art. 17 da LSA, a Sociedade Limitada poderá atribuir às quotas preferenciais vantagens de prioridade na distribuição de dividendos, fixos ou mínimos, ou prioridade no reembolso do capital, com ou sem prêmio, bem como poderá restringir ou retirar o direito de voto decorrente da titularidade de tais quotas preferenciais. Ademais, nos termos do art. 15 da LSA, o número de quotas preferenciais com direito de voto restrito ou sem esse direito não poderá superar o patamar de 50% do quantitativo total de quotas que compõem o capital social da empresa.

Outrossim, o DREI foi expresso ao determinar que, a despeito do que disposto na redação do art. 1.076 do Código Civil, o cálculo dos quóruns de aprovação das deliberações sociais somente levará em conta o número de quotas do capital social com direito de voto.

A partir dessa nova diretriz, tem-se a possibilidade de constituição de uma sociedade limitada cujo exercício pleno do poder de controle dependerá apenas da titularidade de quotas sociais com poder de voto representativas de 37,5% do capital social (três quartos do capital votante de 50%). O que permite aos empreendedores uma maior liberdade na definição da estrutura societária de sua empresa, podendo dispor de maiores recursos para aquisição de talentos, sem por em risco a sua posição de controle da sociedade.

Assim, as empresas que optarem pela adoção do instituto das quotas preferenciais deverão observar as disposições aplicáveis da LSA, dispondo em seus contratos sociais: (i) o quantitativo de quotas preferenciais emitidas; (ii) as vantagens atribuídas para cada tipo de quota preferencial; (iii) a supressão ou a forma de restrição do direito de voto. Ademais, para o caso das Startups, é importante cuidado na elaboração dos instrumentos contratuais que disponham sobre as operações de Vesting, para que conste de forma clara a natureza das quotas que serão adquiridas pelos colaboradores.

Para as Startups, essa alteração amplia significativamente as oportunidades de utilização dos mecanismos de Vesting na aquisição de capital humano, uma vez que é possível a reserva de mais de 60% das quotas do capital social para distribuição entre atuais e novos colaboradores, sem o risco de redução do poder de controle detido pelos sócios fundadores.

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1 DISTRITO DATAMINER. Inside Venture Capital Brazil, dezembro 2019. Disponível em: https://docsend.com/view/eds2ez5?utm_campaign=resposta_automatica_da_landing_page_dataminer_tracking_deals_-_lp_-_material_gratuito&utm_medium=email&utm_source=RD+Station. Acessado em 11 de junho de 2020.

2 Para maiores discussões sobre as diversas modalidades de aplicação do Vesting e seus riscos, UEDA e POLINARIO, O contrato de vesting para impulsionar as startups, disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/o-contrato-de-vesting-para-impulsionar-as-startups-13102019, SÁ, REIS e SCORZA, Vesting, Riscos e Oportunidades, disponível em: https://allsaintsbay.com.br/blog/vesting-riscos-e-oportunidades/ e FALEIROS JÚNIOR, Vesting Empresarial, 2019.

3 Arts. 1.071 e 1.076 do Código Civil.

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*Andrei Zielinski, advogado, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especializando em Direito Empresarial na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

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