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Os bancos e a responsabilidade solidária por danos ambientais

glauber moreno talavera

Com redação assemelhada à do art. 45 da Constituição da Espanha de 1978, a norma contida no art. 225 da Constituição do Brasil de 1988 evidenciou o manifesto propósito do constituinte nacional em conferir efetividade concreta ao imperativo da integral proteção ao meio ambiente, sedimentando um mecanismo de distensão do espectro de responsabilização dos agentes por toda e qualquer espécie de degradação ambiental.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Atualizado em 13 de março de 2009 11:04


Os bancos e a responsabilidade solidária por danos ambientais

Glauber Moreno Talavera*

Com redação assemelhada à do art. 45 da Constituição da Espanha de 1978, a norma contida no art. 225 da Constituição do Brasil de 1988 (clique aqui) evidenciou o manifesto propósito do constituinte nacional em conferir efetividade concreta ao imperativo da integral proteção ao meio ambiente, sedimentando um mecanismo de distensão do espectro de responsabilização dos agentes por toda e qualquer espécie de degradação ambiental.

Recepcionada por nossa nova ordem constitucional, a Lei 6.938/81 (clique aqui), que versa sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, fixou o conceito de poluidor indireto e, neste mister, atribuiu ao agente financiador de empreendimento com algum impacto potencial sobre o meio-ambiente, o dever de fiscalizar a implementação do projeto financiado e sua responsabilidade objetiva e solidária na hipótese de consumação de degeneração do meio ambiente, assim compreendida eventual alteração na fauna ou flora natural, com perda de biodiversidade em determinado ecossistema.

A extensão do campo de incidência da responsabilidade por danos ao meio ambiente de modo a abarcar os poluidores indiretos e, entre estes, as instituições financeiras foi, e ainda é, objeto de acendrada polêmica, mais ainda porque decorre de uma perspectiva utilitarista ultrapassada e antagônica às modernas teorias do direito e da justiça de John Rawls e Ronald Dworkin.

O dever impingido às instituições financeiras parte de uma premissa equivocada que, seguindo a espiral de enganos na qual inserida, também leva a uma conclusão desacertada, sobretudo porque a instituição concedente do crédito, afora as aferições formais de licenças e permissões, não possui nenhuma espécie de poder de monitoramento sobre o tomador nas eventuais repercussões de caráter ambiental do projeto cuja implementação é objeto de financiamento.

Portanto, é nesse discutível e frágil dever de ingerência que está fundamentada a construção teleológica de responsabilização das instituições financeiras por danos ambientais provocados pela implementação dos projetos financiados.

Para garantir a efetividade dessa responsabilização arquitetada por um discurso de inquestionável dimensão ideológica, o legislador, ao "pensar sin certezas" - parafraseando o filósofo argentino Dardo Scavino (La Filosofia Actual) - imputou ao poluidor indireto, tal qual ao direto, responsabilidade objetiva, de tal sorte que o nexo causal entre o dano provocado e o projeto viabilizado por financiamento bancário já é condição suficiente para fazer surgir o dever de indenizar da instituição financeira.

Vale ressaltar que não logrou êxito, em sede jurisprudencial, a tese esposada pelas instituições financeiras que propugnavam pela elisão de sua responsabilidade caso tivessem agido com a cautela exigível no caso concreto e demandado do empreendedor prospectado, antes da aprovação do financiamento pleiteado, todas as licenças ambientais na forma como instituídas, dentro da Política Nacional do Meio Ambiente, pela Resolução do Conselho Nacional de Meio Ambiente - CONAMA n.º 001/86, de 23 de Janeiro de 1986 (clique aqui).

Restou cediço, na espécie, a exegese de que tal circunstância poderia até ensejar a elisão da responsabilidade administrativa da instituição financeira pelo dano causado, mas, face à autonomia das esferas para efeito de atribuição de responsabilidade jurídica, jamais teria o condão de refrear a responsabilização quer na seara penal, quer no campo cível (a propósito vide Alf Ross, Towards a realistic jurisprudence: a criticism of the dualism in law).

Um ponto, todavia, ainda reclama maior grau de aprofundamento nos debates travados amiúde acerca da matéria. É o da previsão de natureza solidária da responsabilidade atribuída ao poluidor direto (agente efetivo do dano, empreendedor financiado) e ao poluidor indireto (instituição financeira que financia a implementação do projeto que acaba por atentar contra a incolumidade do meio ambiente) que se perpetua malgrado estudiosos de escol tenham sedimentado nessa problemática algumas interpretações contemporâneas de Heidegger e Vilém Flüsser, aprofundando a análise das estruturas lógicas da norma que prevê a solidariedade dentro do sistema de direito positivo e relativizando a linguagem do legislador brasileiro a partir de aspectos lingüísticos do pensamento e da experiência conjugados com o estudo da sintaxe, da semântica, da pragmática e da referência.

Desta forma, é imperativo ressaltar-se, para bem dirimir a tábula rasa da legislação, que o instituto da solidariedade - exceção ao princípio "concursu partes fiunt" - não está circunscrito a sua expressão pura e simples, podendo também estar subordinado a condição ou termo, hipótese em que se tem a modalidade nominada "acidental", que é a que melhor equaciona a solidariedade idealizada pela legislação em vigor e, neste mister, é certamente a aplicável às instituições financeiras pelos danos ambientais consumados por agentes que lhe tomaram crédito.

Nesse sentido, mesmo reconhecendo que se avizinha tormenta sobre esta "vexata quaestio", é de concluir-se que a solidariedade entre instituições financeiras e empresários que lhes tomaram crédito para desenvolvimento de atividades que culminaram com danos ao meio ambiente é solidária acidental, subordinando-se necessariamente à condição de que seja imputada responsabilidade às instituições financeiras somente após excutidos os bens do agente responsável "in concreto" pelo dano havido. Em uma palavra, a responsabilidade das instituições financeiras por danos ambientais é subsidiária à dos efetivos causadores dos danos.

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*Advogado e professor do Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas





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