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José de Alencar - intersecções entre o Direito e a literatura nacional - V

Da Redação

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Atualizado em 2 de agosto de 2010 16:29


Intersecções entre o Direito e a literatura nacional

V - Sob jugo no sertão

Um homem simples que desafiou a pujança de um nome.

Um fazendeiro envergonhado pela valentia e destreza de um vaqueiro.

Em "O Sertanejo", de José de Alencar, arma-se a disputa que revela no enredo a verdadeira lei do sertão, colocando em lados opostos o valente vaqueiro Arnaldo e o nobre fazendeiro Fragoso.

No centro do conflito, Dourado, o mais temido boi da região, destacado por sua beleza e agilidade.

De fato, nenhum cavaleiro o havia capturado até então e a conversa de que o animal rondava as cercanias despertou o ânimo da gente sertaneja.

Para impressionar a filha do potentado da cidade, dr. Campelo, com quem almejava se casar, Fragoso saiu à caçada do boi, mas Arnaldo, por receio de que Fragoso triunfasse ou pelo desejo de subtrair-lhe o agradecimento da moça, resolveu espantar Dourado no momento exato em que Fragoso o teria por vencido.

Disparado o brado que afugentou o boi, Arnaldo reconheceu na fisionomia e no gesto do capitão a expressão de seu rancor :

- Não fujas cobarde ! Exclamou Fragoso

- Havemos de encontrar-nos.

- É agora, neste momento, que eu vou castigar a tua insolência.

- Havemos de encontrar-nos, sr. capitão ; mas quando eu quiser, e for de minha vontade. Antes disso não conheço o senhor ; e os seus gritos são como os berros destes novilhos, que ainda não sabem urrar.

Quando ouviu as palavras de Arnaldo, Fragoso foi tomado por um verdadeiro acesso de ira. Se tivesse em mãos uma arma de fogo qualquer, pistola ou clavina, com certeza teria disparado contra o vaqueiro.

Explica Alencar que "os sertanejos ricos daquele tempo eram todos de orgulho desmedido. Habitando um extenso país, de população muito escassa ainda, e composta na maior parte de moradores pobres ou de vagabundos de toda a casta, o estímulo da defesa e a importância de sua posição bastariam para gerar neles o instinto de mando, se já não o tivessem da natureza".

E assim, pela força, exerciam soberanamente no sertão o direito de vida e de morte.

"Eram os únicos justiceiros em seus domínios, e procediam de plano, sumarissimamente, sem apelo nem agravo, em qualquer das três ordens, a baixa, média e alta justiça. Não careciam para isso de tribunais, nem de ministros e juízes ; sua vontade era ao mesmo tempo a lei e a sentença ; bastava o executor."

Crescido no gozo e prática desse despotismo sem freio, Fragoso, que sempre esteve acostumado a ver todas as cabeças curvarem-se ao seu aceno, viu sua força diminuída pela ousadia de um vaqueiro ordinário.

O vaqueiro, por sua vez, poderia ter-se tornado um nome célebre no sertão. O boi finalmente por ele capturado seria a prova viva de sua vitória, e sua façanha jamais seria esquecida. Seria também a humilhação de Marcos Fragoso, cujas bravatas o tinham irritado. Mas a tristeza do boi vencido despertou no homem a vontade de um sacrifício heróico. Soltaria o boi. Em conversa com o bruto, explicou suas razões:

"Fique descansado, camarada, que não o envergonharei levando-o à ponta de laço para mostrá-lo a toda aquela gente! (...) Você é um boi valente e destemido ; vou dar-lhe a liberdade. Quero que viva muitos anos, senhor de si, zombando de todos os vaqueiros do mundo, para um dia, quando morrer de velhice, contar que só temeu a um homem, e esse foi Arnaldo Louredo."

Assim, Arnaldo envergonhou o homem, mas não quis envergonhar o boi.

Sob o jugo das leis do sertão, talvez tivesse o homem libertado o bruto tendo em mente o desejo de sua própria liberdade.

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