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Direito ao esquecimento x direito de informar

Processos contra a Globo evocam direito ao esquecimento

Direito de esquecimento é um desdobramento do direito constitucional à intimidade e à proteção da imagem.

Da Redação

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Atualizado às 07:52

Autor do conceito de modernidade líquida, o pensador polonês Zigmunt Bauman, professor emérito e chefe do departamento de Sociologia da Universidade de Leeds, na Grã-Bretanha, tem atraído a atenção de humanistas do mundo todo por suas considerações acerca da superexposição individual proporcionada pela internet.

Na última semana, a comunidade jurídica brasileira viu chegar ao STJ reflexos dos novos valores trazidos pela tecnologia. Migalhas noticiou dois diferentes julgamentos na Corte Superior (REsp 1.335.153/RJ e REsp 1.334.097/RJ) que abordaram o chamado direito ao esquecimento. Novidade nos tribunais, o instituto foi discutido na VI Jornada de Direito Civil, realizada em março deste ano pelo CJE/CJF - Centro de Estudos do Judiciário do Conselho da Justiça Federal, tendo dado origem ao enunciado 531, segundo o qual "A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento".

Trata-se, portanto, de desdobramento do direito constitucional à intimidade e à proteção da imagem, e embora os dois casos recentes refiram-se a matérias jornalísticas televisivas, o instituto vem ganhando contornos em razão da facilidade de circulação e de manutenção de informação pela internet, capaz de proporcionar superexposição de boatos, fatos e notícias a qualquer momento, mesmo que decorrido extenso lapso temporal dos atos que lhes deram origem.

Conforme amplamente discutido pelos magistrados Federais por ocasião da VI Jornada, pelo ordenamento jurídico brasileiro até mesmo o condenado criminal faz jus ao esquecimento - o art. 93 do CP prevê o direito à reabilitação do condenado dois anos após o cumprimento da pena ou a extinção da punibilidade, desde que preenchidas algumas condições, e o art. 748 do CPP assenta que depois de quatro ou cinco anos o registro da condenação será visível apenas quando solicitada por juízo criminal, para efeitos de reincidência.

E mais: se a pena criminal não pode ultrapassar a pessoa do condenado, o que dizer da perpetuação dos reflexos de um crime sobre a vítima e seus familiares? A cada reportagem, alegam, suas feridas se abrem e as dores e angústias são revividas.

Sob esse prisma à imprensa não caberia o direito de voltar a conferir publicidade a casos antigos, já cobertos pelo tempo.

Conteúdo ofensivo em provedores de internet

Se até mesmo condenações criminais podem ser "esquecidas", atos da vida privada, fotos indiscretas, comentários infelizes, pequenos erros, gafes ou similares, não devem seguir perseguindo os autores eternamente. Assentados no art. 5°, incisos V e X, da CF/88 e no art. 12 do CC/02, diversos acórdãos de tribunais estaduais e do próprio STJ têm determinado a provedores de internet a retirada de conteúdo ofensivo de seus acervos, que poderiam ser acessados a qualquer momento, reproduzindo eternamente os danos e ofensas.

Liberdade de informação

Igualmente ancoradas na CF/88, no mesmo art. 5°, incisos IV, IX e XIV, as liberdades de pensamento, de expressão e de informação não podem ser eclipsadas sob o pretexto de ofensa à vida privada.

Trata-se, sem dúvida, de hipótese de colisão de direitos fundamentais, princípios de mesma hierarquia, para cuja solução será necessário empreender uma ponderação de valores caso a caso, pelos tribunais, "de modo a preservar o máximo de cada um dos valores em conflito, realizando escolhas acerca de qual interesse deverá circunstancialmente prevalecer", na lição de Luís Roberto Barroso em artigo neste informativo. E por tratar-se de decisões casuísticas, continua o professor, deverão ser exaustivamente fundamentadas, a fim de que sejam afastadas quaisquer possibilidades de arbitrariedades.

Censura, o fantasma sempre à espreita

Nas palavras do ministro Luis Felipe Salomão, relator dos dois recentes acórdãos em destaque, o acolhimento do direito ao esquecimento não pode significar "desproporcional corte à liberdade de imprensa", sob pena de tornar impraticável a atividade jornalística, em prejuízo de toda a sociedade.

Privilegiar o direito ao esquecimento sem o exame cuidadoso das circunstâncias (veracidade do fato, meios usados para obter a informação, personalidade pública ou privada das pessoas envolvidas, natureza do fato, interesse público) é atitude temerária, que pode abrir brechas à censura. Em matéria de liberdade de imprensa, aliás, em razão de sua dimensão de liberdade pública, da qual decorrem outras tantas liberdades, recomenda-se evitar a proibição prévia de qualquer divulgação, com a adoção da sanção a posteriori em casos de eventuais abusos.

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