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APPs

Aplicativos no fio da navalha com a legislação

Apesar do crescente consumo e a rapidez com que novos programas são desenvolvidos, aplicativos flanam num limbo jurídico.

Da Redação

segunda-feira, 5 de maio de 2014

Atualizado em 29 de abril de 2014 15:24

Tablets e smartphones são, não se nega, importantes ferramentas em busca de mobilidade e rapidez no acesso à informação. Serviços impensáveis resolvem problemas do dia a dia.

Atrelado a este universo móvel estão os aplicativos - softwares desenvolvidos para serem instalados em dispositivos eletrônicos.

Mas apesar do crescente consumo e a rapidez com que novos programas são desenvolvidos, os aplicativos flanam num limbo jurídico. Com efeito, questões de privacidade e direitos autorais são nitidamente questionáveis em algumas destas ferramentas.

Direitos autorais na era digital

"Aplicativos são softwares e no Brasil a proteção de softwares ocorre por meio de Direitos de Autor, se podendo falar também na proteção por meio de trade dress. Não há proteção por patente de softwares no Brasil, embora haja patente para invenções que associam produtos a softwares", analisa Milena Grado, especialista em Direito Digital e sócia do escritório Patricia Peck Pinheiro Advogados.

Além do aplicativo, ela assinala que é importante mencionar os ícones representativos, os quais também merecem proteção. Como nos explica, a proteção pode ocorrer por meio do Direito Marcário, mas é possível entender que o ícone do aplicativo é um sinal distintivo peculiar sobre o qual deve incidir uma proteção específica, ou seja, deve ser uma nova categoria dentro dos sinais distintivos.

Ela alerta que, afora os meios protetivos elencados, todos os desenvolvedores de aplicativos devem estar atentos à guarda dos dados dos usuários e de logs, conforme determina o recém aprovado marco civil da internet, que entrará em vigor em 23/6/14.

Na obra "Direitos de Autor e Direitos Conexos" (Migalhas, 2014), da advogada Eliane Y. Abrão, a intangibilidade trazida pelo mundo digital é tomada como um dos principais aspectos que afeta os bens protegidos pela propriedade intelectual, especialmente os direitos autorais.

"A facilidade de transmissão dessas informações faz com que haja a falsa impressão de que o âmbito virtual seja desprovido de qualquer regulamentação e, nessa ideia, os direitos autorais são ignorados. Ora, independente do formato, o Direito protege o bem imaterial, a criação humana, sendo igualmente aplicado ao meio digital." (p. 595)

Vejamos quatro exemplos de polêmicos tipos de aplicativos:

  • Aplicativos de carona

Facilitar viagens, reduzir gastos e promover a melhoria do tráfego são algumas das razões pelas quais milhares de pessoas se tornam adeptas e usuárias assíduas do serviço oferecido por aplicativos de carona. As boas intenções, entretanto, precisam ser melhor avaliadas.

"De um lado está a legislação de transportes que impede que se faça transporte de pessoas por particulares sem autorização e com obtenção de lucro e de outro lado está o tráfego intenso das grandes cidades. A própria ANTT e as Secretarias de Transporte estimulam as caronas já que comprovadamente reduzem o tráfego intenso, principalmente, nos horários de pico, mas elas devem ser fundamentadas em situações de amizade, cortesia e realizadas gratuitamente conforme determina o artigo 736, do Código Civil, o que normalmente é o caso", assevera Milena Grado.

A questão ainda não foi levada a juízo no Brasil, mas, de acordo com a advogada ouvida por Migalhas, no exterior muitas municipalidades optaram por regulamentar esse tipo de serviço, tornando-o legal e seguro.

"Os aplicativos nacionais garantem que não há finalidade comercial, pois o usuário que utiliza o serviço faz apenas uma doação opcional, porém essa doação opcional não descaracteriza o ônus financeiro do carona. Todavia, em certas situações é preciso que direito e economia caminhem juntos e no caso em tela, regulamentar esse tipo de transporte permitiria encontrar um ponto de equilíbrio entre essas áreas."

  • Aplicativos de trânsito e avisos de blitz

De modo semelhante, outro serviço colaborativo é representado pelos aplicativos sobre informações de trânsito. No entanto, o que faz sucesso neles é o alerta de blitz.

"Alguns juristas argumentam que haveria violação ao artigo 265, do Código Penal (atentado contra segurança de serviços de utilidade pública). Entretanto, há críticas a esse posicionamento, já que o tipo penal, de acordo com o princípio da legalidade, deve ser interpretado de forma restrita - não existe analogia 'in malam partem' - e como não há prescrição específica no artigo 265 para essa conduta, logo ela não poderia ser considerada crime," conta Milena Grado.

Para o professor do Ibmec e diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro Carlos Affonso, uma tecnologia que gera eventuais usos ilícitos, mas que também possui usos lícitos, não deve ser censurada como um todo.

"Nesse caso vale ainda lembrar que esses avisos podem ocorrer, por exemplo, para que a pessoa evite um engarrafamento e não apenas para fugir da fiscalização. Por isso o foco da repressão deve ser no comportamento e não no desenvolvimento da tecnologia."

Em decisão de 2013, a Justiça de Goiânia permitiu divulgação de blitz pelo Twitter, afirmando que "é preferível que a sociedade arque com desconforto momentâneo de seus agentes públicos do que com restrição precipitada ao direito à informação".

  • Aplicativos de fofoca

O polêmico aplicativo Lulu, que permite às mulheres avaliarem o desempenho dos homens, tomou a atenção de usuários e do Judiciário no ano passado. Segundo a advogada Milena Grado, os aplicativos de fofocas anônimas podem violar direitos na medida em que, normalmente, estão relacionados à divulgação de intimidade e privacidade das pessoas, "que segundo a Constituição Federal são invioláveis e mais especificamente protegidos no Código Civil - artigos 11 a 21".

A advogada ressalta que, apesar desses aplicativos muitas vezes serem gratuitos para os usuários, eles continuam tendo como finalidade o lucro, que será obtido por publicidade e outros meios indiretos, sendo caracterizada a finalidade comercial.

"Cumpre salientar que segundo súmula do STJ não há sequer que se provar prejuízo para que o ofendido pela violação de direito de imagem seja indenizado. Ademais, o anonimato é vedado pela Constituição Federal, de forma que os aplicativos devem garantir a identificação dos usuários, mesmo que para obter esses dados seja necessária ordem judicial."

Ainda segundo o professor do Ibmec/MG Renato Dolabella Melo, pode haver responsabilização cível e criminal se o aplicativo infringir direitos de imagem, inclusive em casos relacionados com privacidade.

"A jurisprudência tem entendido que há uma certa relativização no caso de figuras públicas e divulgação de fatos relacionados à função pública que estes ocupam. Porém, mesmo nesses casos, não pode haver abusos, como uso da imagem meramente para ofender o retratado."

  • Aplicativos de acesso a senhas

A respeito dos aplicativos que disponibilizam senhas do wi-fi, Milena Grado esclarece: tais aplicativos, em geral, são constituídos com finalidade legal, já que o titular da senha é quem deve disponibilizá-la para a base de dados, porém, terceiros violando a confiança dos titulares podem disponibilizar a senha.

"O aplicativo não pode ser responsabilizado por utilização indevida por terceiros, nesse caso o terceiro deverá ser responsabilizado pela conduta."

Em complemento a esta ponderação, Carlos Affonso destaca que não se deve confundir a ferramenta com o uso ilícito que se faz dela.

"Comportamentos que violam direitos através de uma certa tecnologia devem ser coibidos, mas isso não significa que sempre a criação de uma ferramenta em si será ilícita."

Segundo o especialista, esse debate apareceu nos Estados Unidos em meados de 1980 quando tentaram impedir a fabricação de videocassetes porque eles violariam direitos autorais e terminariam por arruinar a indústria do cinema. Na época, conforme relata, a Suprema Corte dos EUA terminou por reconhecer que o desenvolvimento tecnológico cria desafios para a proteção dos direitos autorais, mas a gravação de fitas nos aparelhos não representava uma violação aos direitos e nem por isso a fabricação desses equipamentos deveria ser considerada ilícita.

"O próprio Skype, vale lembrar, nasceu de uma versão rudimentar do software para compartilhamento de músicas e videos chamado Kazaa."

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