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STF

Maioria do STF nega extradição de argentino acusado de crimes contra a humanidade

Julgamento foi suspenso, contudo, por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia.

Da Redação

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Atualizado às 14:38

O STF retomou nesta quinta-feira, 20, o julgamento da EXT 1362, referente ao argentino Salvador Siciliano, que teve ordem de prisão expedida pelo Judiciário daquele país por suspeita de ter participado de associação paramilitar chamada "Triple A", que operou entre 1973 e 1975. A maioria do plenário (6 votos a 3) votou pelo indeferimento da extradição. O julgamento foi suspenso por pedido de vista da ministra Cármen Lúcia. Em razão do pedido de vista e de alegações nos autos de que o extraditando estaria doente, os ministros decidiram transformar a prisão preventiva para extradição de Siciliano em prisão domiciliar.

Crimes contra a humanidade - Imprescritibilidade

O caso foi afetado ao plenário pela 1ª turma, a pedido do relator, ministro Edson Fachin. De acordo com a Justiça da Argentina, a ""Triple A" se dedicou ao assassinato de integrantes da militância de esquerda, eliminação de comunistas, desafetos do governo e ameaças públicas por propaganda política. Há nos autos vários casos narrados de sequestro, agressão e assassinato praticados pela entidade.

Pela legislação argentina, os crimes pelos quais o extraditando está sendo investigado são imprescritíveis, em razão de serem qualificados como de lesa-humanidade. Em razão disso, o governo argentino pede a extradição com base no art. 4º do Tratado de Extradição entre Brasil e Argentina.

O extraditando, por sua vez, apresentou defesa técnica, na qual pleiteia a aplicação do "princípio da inextraditabilidade dos estrangeiros por crime político ou de opinião", conforme o art. 5º, inciso LII, da CF. Sustenta, em síntese, que "não foi mentor dos crimes praticados pelo grupo terrorista Triple A, não queria aquele crime para si, estava apenas ocupando um cargo político dentro da administração pública".

No pano de fundo da questão está a discussão sobre a imprescritibilidade dos crimes imputados ao extraditando como crimes contra a humanidade. A corrente majoritária entendeu que no Brasil os crimes já estão prescritos e por isso a extradição deve ser negada. Os ministros que acompanharam o relator votaram no sentido de que os crimes contra a humanidade são imprescritíveis, conforme dispõe a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes Contra a Humanidade, de 1968.

O ministro Fachin explicou que os tratados internacionais sobre direitos humanos não necessariamente se sobrepõem à legislação interna, mas "a doutrina nacional tem indicado que a harmonização deve ser feita pela hierarquização, atribuindo-se aos tratados o status normativo constitucional". Para ele, a imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade é compatível com o regime e os princípios adotados pela Constituição Federal (art. 5º, § 2º, CRFB) e, por essa razão, são incompatíveis com a disposição constante do Estatuto do Estrangeiro, no que condiciona a extradição à ausência de prescrição."

"Quer constitucional, quer supralegal, não pode o disposto no art. 77. VI, do Estatuto do Estrangeiro ser oposto à obrigação que incumbe ao Estado brasileiro de garantir resposta adequada às graves violações de direitos humanos cometidas nos territórios de outros países."

Assim, o ministro concluiu que "o Estado brasileiro não deve invocar limitações do direito interno para deixar de atender esse pedido de extradição", e votou pela procedência do pedido.

No mesmo sentido votou o ministro Barroso. Para ele, no caso, não é possível aplicar a lei brasileira. "O caráter supralegal da norma internacional paralisa a norma nacional."

Quanto ao crime de lesa-humanidade, Barroso afirmou que "sem nenhum resquício ideológico, acho que é possível afirmar que o cometimento desses crimes em nome do Estado constitui crime contra a humanidade".

Na sessão desta quinta-feira, o ministro Ricardo Lewandowski acompanhou entendimento do relator. Para ele, a doutrina e a jurisprudência internacional têm entendido como imprestáveis os crimes contra a humanidade e o Supremo não pode ficar alheio "ao que se passa nas Cortes Internacionais".

"A Suprema Corte está sendo chamada para se posicionar com relação a uma questão absolutamente nova, que jamais foi enfrentada pela Corte. Tanto é que o feito que é originariamente julgado nas turmas, uma extradição, passou a ser julgado pelo plenário. (...) E o STF está sendo chamado a se posicionar com relação aos graves acontecimentos que estão ocorrendo no mundo."

Divergência

Apresentando voto-vista, o ministro Teori Zavascki abriu a divergência. Por considerar que os crimes dos quais o extraditando é acusado já estão prescritos no Brasil, o ministro votou pelo indeferimento da extradição. Segundo Teori, a cláusula da imprescritibilidade penal resultante da Convenção de 1968 "não obriga, nem vincula juridicamente o Brasil, quer em sua esfera doméstica, quer em plano internacional".

O ministro observou que o Estatuto do Estrangeiro e o próprio tratado de extradição assinado entre Brasil e Argentina vedam categoricamente a extradição quando a punibilidade estiver extinta em razão de prescrição prevista na legislação de qualquer dos países. Destaca, ainda, que como não consta dos autos a ocorrência de alguma das causas de interrupção de prescrição, a punibilidade dos crimes dos quais o cidadão argentino é acusado está extinta, pois já se passaram mais de 40 anos dos fatos, tempo superior aos prazos prescricionais previstos na legislação brasileira.

Para Teori, não é possível considerar os crimes de que Siciliano é acusado como imprescritíveis tendo como fundamento a Convenção da ONU sobre Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra, pois embora ela esteja aberta à adesão desde 1968, até hoje o Brasil não a subscreveu. "Isso significa que a cláusula da imprescritibilidade penal que resulta desta convenção das Nações Unidas não obriga nem vincula juridicamente o Brasil, que em sua esfera doméstica, quer no campo internacional."

Ele foi acompanhado, até o momento, pela ministra Rosa Weber e pelos ministros Luiz Fux, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Marco Aurélio.

Veja a íntegra do voto do ministro Teori.

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