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Economia

MP da liberdade econômica cria ambiente de insegurança jurídica, avalia Anamatra

Associação destaca que texto revoga dispositivos da lei sobre repouso remunerado e pode prejudicar pagamento de créditos trabalhistas.

Da Redação

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

Atualizado às 09:14

O Senado aprovou na última semana, dia 21, o projeto de lei de conversão (PLV 21/19), decorrente da MP 881/19, conhecida como MP da Liberdade Econômica. A proposta teria como objetivo a desburocratização e a simplificação de processos para empresas e empreendedores. Para a Anamatra - Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, por sua vez, a lei pode criar ambiente de insegurança jurídica e prejudicar o pagamento de créditos trabalhistas.  

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O texto promove mudanças no Código Civil, em regras dos fundos de investimento e na legislação trabalhista. Aprovada no Congresso, a proposta aguarda sanção do presidente da República, Jair Bolsonaro.

 A aprovação no Senado ocorreu após votação para suprimir da proposta artigos que acabavam com a restrição do trabalho aos domingos e feriados. A supressão foi um avanço na visão da Associação. Contudo, o texto final também revogou dispositivos das leis 605/49 e 10.101/00 e da própria CLT, "indo de encontro ao que prevê a CF", pontua a presidente da Anamatra, juíza do Trabalho Noemia Porto.

"As mudanças criam um ambiente de insegurança jurídica. Isso porque, caso os dispositivos não sejam vetados pelo presidente da República, porque inconstitucionais, haverá a situação inédita de o Senado ter aprovado uma coisa e o texto final, com a lista de revogações, significar outra."

Segundo a magistrada, a CF prevê como direitos dos trabalhadores urbanos e rurais o repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos, a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% à do normal e o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho.

Na contramão, o texto aprovado alterou a lei 605/49, relativa ao repouso semanal remunerado, retirando-se dela dispositivos que determinavam a vedação do trabalho em dias de feriados civis e religiosos e o respectivo pagamento em dobro.

"Com a supressão, haverá dúvida e discussão sobre se o pagamento em dobro só será devido nas atividades em que não for possível, em virtude das exigências técnicas das empresas, a suspensão do trabalho, salvo se o empregador determinar outro dia de folga."

A lei 10.101/00, relativa à participação dos trabalhadores nos lucros ou resultados da empresa, também restou alterada com a aprovação do projeto de lei de conversão. A representante da Anamatra pontua que o texto suprimiu as previsões da lei que determinavam que o repouso remunerado deveria coincidir, pelo menos uma vez no período máximo de três semanas, com o domingo e a que preconizava que o trabalho em feriados nas atividades de comércio deveria ser autorizado em convenção coletiva de trabalho.

Também foram suprimidos da CLT artigos que determinavam - para os trabalhadores de empresas que explorem serviços de telefonia, telegrafia submarina ou subfluvial, de radiotelegrafia ou de radiotelefonia - que o trabalho aos domingos e feriados seria considerado extraordinário e sua execução e remuneração obedeceria o que dispusesse acordo ou contrato coletivo de trabalho e que as horas extras, nos demais dias, deveriam ser pagas com acréscimo de 50%.

Fiscalização prejudicada

A Anamatra ainda aponta outras mudanças que podem afetar direitos e garantias fundamentais contidos na Constituição. Entre elas o "ponto por exceção", que prevê que o horário de chegada e saída do empregado só será registrado se houver horas extras, atrasos, faltas e licenças. O registro de entrada e saída, por sua vez, somente será exigido de empresas com mais de 20 funcionários. "As medidas podem prejudicar a fiscalização e o adimplemento de horas extras, bem como a produção de provas, caso o trabalhador acione a Justiça do Trabalho, estimulando fraudes", analisa a juíza Noemia Porto.

Na avaliação da presidente da Anamatra, essa "invisibilidade do descontrole", afeta a possiblidade da fiscalização do trabalho no Brasil e poderá potencializar, inclusive, conflitos sociais e ações judiciárias. "É um paradoxo criticar o número de ações judiciais no Brasil, mas, ao mesmo tempo, prejudicar a fiscalização. Se existe preocupação com o aumento das ações judiciais, ela deve ser proporcional ao incremento e ao fortalecimento da etapa anterior à judicialização, que é justamente a da eficiente fiscalização'', aponta.

Mudanças ao CC feitas pelo texto aprovado também podem afetar os direitos trabalhistas, explica a presidente da Anamatra. Isso porque o incidente de desconsideração da personalidade jurídica só poderá ocorrer em caso de abuso. "A mudança corrobora o cenário de inadimplemento do pagamento dos créditos trabalhistas, distanciando o trabalhador do recebimento de direitos sistematicamente violados. Subverte-se, portanto, o equilíbrio protetivo que a Constituição Federal exige, sacrificando direitos de caráter alimentar em detrimento de preocupações meramente econômicas", alerta.

Mudanças positivas

Algumas previsões do texto que preocupavam a Anamatra, e foram objeto da atuação da entidade, foram suprimidas do texto, ainda no plenário da Câmara. Entre eles estão: a instituição de modalidade de contrato de trabalho subordinado não sujeito à legislação trabalhista; a extinção da obrigatoriedade das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas) para "locais de obra" ou estabelecimentos com menos de 20 trabalhadores e para as micro e pequenas empresas; a ampliação da possibilidade da duração de contratos de trabalho por prazo determinado; a dispensa do encaminhamento da Guia da Previdência Social ao sindicato representativo da categoria profissional.

Atuação

Desde o início da tramitação do projeto de lei de conversão, a Anamatra atuou no sentido de alertar os parlamentares para diversas mudanças preocupantes na legislação trabalhista, bem como para o necessário debate sobre o tema. Nesse sentido, a associação reuniu-se com diversos parlamentares, emitiu nota técnica conjunta com outras entidades e participou de audiências públicas e eventos sobre o tema.

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