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A necessária maturidade acadêmica

Essa maturidade envolve também a possibilidade de mudanças. Espera-se (ou deveria ser esperado) dos autores uma autocrítica e uma maior reflexão sobre trabalhos passados, sem medo de alterações no que concerne às pesquisas prévias, caso haja razão para tanto.

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Atualizado em 20 de fevereiro de 2018 18:18

Os programas de pós-graduação stricto sensu em Direito, em sua quase totalidade, exigem publicações em periódicos com Qualis (sistema de avaliação mantido pela CAPES) como requisito para obtenção de créditos necessários à conclusão do curso. A realidade dos pós-graduandos é, sem dúvida, uma corrida contra o tempo, uma vez que precisam conciliar a obtenção dos demais créditos exigidos (frequência às aulas, estágios docentes, participação em Congressos, avaliações escritas, apresentação de seminários etc.) com a elaboração e submissão dos mencionados artigos.

Ademais, ainda é comum entre os periódicos jurídicos no Brasil uma ausência de uniformidade no que tange a prazo para respostas sobre o aceite ou não dos artigos submetidos à avaliação (muitos periódicos, infelizmente, sequer indicam um possível prazo ou mesmo respondem questionamentos feitos pelos pretensos autores). Além disso, artigos aceitos chegam a demorar meses, às vezes mais de um ano, para serem efetivamente publicados.

Todas essas circunstâncias levam autores a publicarem sobre assuntos que, por vezes, não são do seu interesses ou expertise, porém, levando em consideração somente os prazos de publicação, atendem aos propósitos imediatos dos juristas. Outrossim, devido à pressão pelas publicações em prazos curtos, não raro são submetidos artigos que necessitariam de uma maior revisão e aprofundamento, mas que, mostrando-se minimamente adequados para serem publicados, acabam enviados sem a devida reflexão.

É comum, igualmente, que ao longo dos cursos de mestrado e doutorado os pós-graduandos submetam artigos em conjunto com seus orientadores (seja pela facilidade na publicação, já que vários periódicos filtram a publicação somente para autores com doutorado, seja pelo interesse do orientador, que também necessita de publicações para seu programa de pós-graduação junto à Universidade), seguindo a linha de pesquisa e perspectiva adotada por eles, o que pode não corresponder necessariamente ao pensamento acadêmico dos alunos.

Há também qualificados profissionais do direito que encaminham artigos para publicação pensando em pontuação de títulos para concursos públicos ou para a promoção em suas carreiras públicas. Aqui, vale mais a formalidade da publicação do que seu efetivo conteúdo, o que leva vários juristas a submeterem materiais sem o esmero correspondente as suas reais capacidades.

Deve-se destacar também o fato de que as pessoas, como é natural, mudam de opinião, especializam-se em novas áreas, ganham mais conhecimento, enfim, alteram certas conclusões construídas no passado. Assim, um artigo escrito há 5 anos, por exemplo, pode não mais corresponder ao pensamento que o autor possui atualmente.

Essas considerações servem para que haja uma reflexão relacionada a dois importantes aspectos.

Por um lado, deve haver uma maior compreensão da Academia e dos leitores sobre o amadurecimento acadêmico dos autores. Não se deve julgar, de maneira inquisitorial e intransigente, mudanças de posição acadêmica ou criticar de maneira absoluta artigos escritos nas fases iniciais da vida acadêmica dos autores.

O caminhar acadêmico deve ser encarado da mesma maneira que o amadurecimento pessoal. Se não se avaliam com o mesmo rigor atitudes praticadas por crianças ou adolescentes, já que ainda estão em transição para a vida adulta, não se pode ter idêntica rigidez em relação a um aluno cursando uma especialização em comparação a um professor já com doutorado concluído.

Com isso não se quer autorizar a indulgência com artigos mal escritos, superficiais, sem marcos teóricos adequados ou mesmo aqueles que não acrescentem nada ao saber jurídico. Entretanto, é necessário que não haja julgamentos com um único peso ou medida, devendo-se levar em consideração todo esse contexto das publicações acadêmicas, em especial no início da caminhada dos estudantes.

Por outro lado, sem embargo de todas as exigências acima narradas, os autores devem ponderar sobre suas publicações, cientes de que serão avaliados durante toda sua vida acadêmica. Seus artigos publicados o acompanharão durante toda sua trajetória profissional.

A despeito das exigências aos alunos de pós-graduação, ou mesmo aos profissionais de carreiras públicas, serem ocasionalmente severas e com a estipulação de prazos inferiores ao minimamente adequado, aos que submetem artigos científicos para publicação cabe o lembrete de que o resultado de seu trabalho é o que será avaliado e mensurado, olvidando-se, quase sempre, o contexto no qual o trabalho foi escrito.

A maturidade acadêmica tem relação direta justamente com esse segundo ponto, ou seja, ter consciência de que, embora as exigências possam ser ''cruéis'', o autor precisa saber dosar e valorizar a qualidade de sua pesquisa e publicação, sob pena de afetar todo seu futuro acadêmico.

Entretanto, essa maturidade envolve também a possibilidade de mudanças. Espera-se (ou deveria ser esperado) dos autores uma autocrítica e uma maior reflexão sobre trabalhos passados, sem medo de alterações no que concerne às pesquisas prévias, caso haja razão para tanto.

Em tempos de uma quase perenidade das publicações, graças à tecnologia, aos sites de busca e aos bancos de dados nas nuvens, deve-se levar em consideração o momento acadêmico do autor, ciente que mudanças de estilo, opinião, marcos teóricos e linhagens metodológicas já ocorreram e continuarão a ocorrer, fruto de um (esperado) amadurecimento acadêmico.

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*Flávio Garcia Cabral é Procurador da Fazenda Nacional, doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP; professor de cursos de graduação e pós-graduação em Direito.


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