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Súmula 239 do STF

Considerações sobre o descabimento de RExts fundados no verbete: "Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores".

quinta-feira, 14 de maio de 2015

Atualizado em 13 de maio de 2015 13:37

1. Introdução

Vimos nos últimos anos um intenso debate no meio jurídico sobre a interpretação do verbete 239 da súmula do STF ("Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores"), com dezenas de pareceres de juristas, decisões judiciais e pareceres da PGFN. O ápice dessa profícua discussão foi, no meu entender, o julgamento pela 1ª seção do STJ do Resp representativo de controvérsia 1.118.893/MG, do qual foi relator o Exmo. Ministro Arnaldo Esteves Lima. Nesse julgamento, ao que parece, o STJ pacificou a interpretação sobre ao verbete da Súmula em exame, fixando que a coisa julgada tributária é dotada de eficácia continuativa caso o provimento judicial se refira a isenção, imunidade ou inconstitucionalidade da norma em controle difuso1.

Assim, em princípio, a questão sobre a interpretação dos efeitos no tempo da coisa julgada em matéria tributária está finda, quero crer, tanto que a orientação adotada no Recurso Especial 1.118.893/MG já foi aplicada inclusive pela Câmara Superior de Recursos Fiscais do CARF, do que é exemplo o acórdão 91.01-002.087, da 1ª turma, proferido nos autos do processo administrativo 10.380.002485/2008-68, julgado em 20 de janeiro de 2015. Estabelecendo sua ementa que:

"ASSUNTO: CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO CSLL
Ano calendário: 2005
RELAÇÃO JURÍDICO TRIBUTÁRIA CONTINUATIVA. DECISÃO TRANSITADA EM JULGADA EM AÇÃO JUDICIAL QUE DECLARA A INCONSTITUCIONALIDADE DA EXIGÊNCIA DA CSLL NOS TERMOS DA LEI Nº 7.689/88. COISA JULGADA. DECISÃO POSTERIOR EM AÇÃO DIRETA DE CONSTITUCIONALIDADE.
EFEITOS. ALCANCE TEMPORAL. RECURSO ESPECIAL 1.118.893 MG (2009/00111359), SUBMETIDO AO REGIME DO ARTIGO 543C DO CPC. ARTIGO 62A DO REGIMENTO INTERNO DO CARF.
Segundo entendimento do STJ proferido no julgamento do Recurso Especial 1.118.893 MG, submetido ao artigo 543 C do CPC:
(i) Nos casos que envolvem relação jurídico tributária continuativa, a decisão transitada em julgado, declarando a inexistência de relação jurídico tributária entre o contribuinte e o fisco, faz coisa julgada em relação a períodos posteriores.
(ii) Nos casos em que há decisão judicial transitada em julgado, em controle difuso, declarando a inexistência de relação jurídico tributária entre o contribuinte e o fisco, mediante declaração de inconstitucionalidade de lei que instituiu determinado tributo, a decisão posterior, em controle concentrado, mediante Ação Declaratória de Constitucionalidade, em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada.
Vistos, relatados e discutidos os presentes autos."

O que penso que está a merecer exame e debate é tema conexo: se a referência e fundamentação no verbete nº 239 da Súmula do STF por si só permitiria à PFN pretender alçar, obviamente por meio de recurso extraordinário, ao Supremo Tribunal Federal. Deve ser registrado que efetivamente a União (PFN) vem adotando essa conduta: perante o TRF, onde apresenta recursos especial e extraordinário, este último recurso fundado no citado verbete jurisprudencial.

É sob tal contexto e ótica que me parece interessante examinar esse enunciado da Súmula do STF, não mais cabendo discussão sobre se a coisa julgada em matéria tributária é dotada ou não de eficácia continuativa, pois esse tema está, quero crer, repito, pacificado ante o julgamento do citado recurso especial julgado como recurso repetitivo.

2. A Origem do enunciado 239 da Súmula do STF e a Competência da Suprema Corte nas Cartas de '37 e '46

Como anotado com exatidão pelo Exmo. Min. Arnaldo Esteves Lima no Resp representativo de controvérsia 1.118.893/MG, tal verbete foi editado em 1963. Contudo, um de seus precedentes é ainda mais antigo. Embora o primeiro seja o MS nº 11.714, de 06/11/63, o segundo é o Ag 11.227, de 5/6/442.

O precedente mais antigo, de 1944, foi julgado sob a Constituição de 1937, cujo art. 101, III, a) dispunha que:

"Art. 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
III - julgar, em recurso extraordinário, as causas decididas pelas Justiças locais em única ou última instâncias:
a) quando a decisão for contra a letra de tratado ou lei federal, sobre cuja aplicação se haja questionado;"

Já o precedente mais "atual", de 1963, foi decidido sob a vigência da Carta de 1946, cujo art. 101, III, a) determinava que:

"Art. 101 - Ao Supremo Tribunal Federal compete:
III - julgar em recurso extraordinário as causas decididas em única ou última instância por outros Tribunais ou Juízes:
a) quando a decisão for contrária a dispositivo desta Constituição ou à letra de tratado ou lei federal;"

Como se vê o verbete 239 foi inserido na Súmula do STF em razão direta do exercício da sua competência infraconstitucional conforme as Cartas de 1937 e 1946.

3. A Competência do STF para conhecer de RExt sob o manto da Carta de 88 - O Desajuste Superveniente do Enunciado 239 da súmula do STF

Todavia, a Constituição de 1988 deu ao Supremo Tribunal Federal um viés totalmente distinto, não tendo mais a Corte competência para examinar temas federais, como se extrai do artigo 102, III:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal."

A mudança da competência do STF foi radical, tendo a Corte assumido um caráter essencialmente constitucional. Aliás, já no final do conturbado ordenamento constitucional entre a Carta de 1946 e a atual, correspondente aos chamados "anos de chumbo", o STF já vinha tendendo a essa competência, abrindo exceção somente para uma relação de temas federais que deveriam ser suscitados pelo extinto incidente intitulado "arguição de relevância da questão federal".

Desta forma, embora o instituto ou cláusula da coisa julgada seja indissociável do estado democrático de direito, tanto que está positivada na Constituição como direito e garantia individual, é a lei federal, o direito infraconstitucional, que a normatiza, inclusive em termos de redução ou revisão do próprio instituto, o que é o caso da ação rescisória, prevista no artigo 485 do CPC e seguintes.

Como se percebe, o verbete 239 está, sob o contexto da Constituição Federal de 1988, s.m.j. e com as devidas vênias, mal colocado, como um estranho no ninho, na súmula do S.T.F., o que pode dar ensejo a equívoco na interposição de recursos extraordinários. E, com efeito, tal já ocorreu recentemente. Antes do Resp representativo de Controvérsia 1.118.893/MG ser julgado, a 1ª Seção Cível do STJ já havia julgado em 28/05/08 a mesma matéria, sob a Relatoria do Exmo. Min.José Delgado. Isso ocorrreu nos Embargos de Divergência nº 731.250/PE, em decisão bastante semelhante à do posterior julgado dotado de eficácia vinculante.

4. Da impossibilidade de o STF conhecer da questão relativa ao enunciado 239 da súmula do STF - Conhecer x Negar provimento ao Recurso

Nestes embargos de divergência, inconformada, a União interpôs recurso extraordinário em conjunto com os embargos de divergência acima abordados. O recurso extraordinário foi distribuído sob o nº 597.678 à relatoria do Min. Joaquim Barbosa, que, por decisão publicada no DJ do dia 23 de novembro de 2010, negou seguimento ao recurso. É muito oportuna a transcrição da parte final da decisão do Exmo. Ministro:

"Por fim, a preliminar de repercussão geral não permite que se conclua pela violação de entendimento sumulado por esta Corte.
A súmula 239/STF baseia-se em dois precedentes, o AI 11.227-Embargos (DJ de 10/2/1945) e o RE 59.423-Embargos (DJ de 12/6/1970). Ambos os precedentes fazem uma importante distinção para fins de cálculo da extensão dos efeitos da coisa julgada relativa à tributação.
Naquelas oportunidades, entendeu a Corte que as sentenças que afastassem relações jurídicas tributárias individuais e concretas ficavam circunscritas ao tempo em que ocorridos os fatos jurídicos tributários. É o típico caso no qual pede-se a anulação de lançamento tributário.
Em sentido diverso, se a sentença afastasse relações jurídicas tributárias individuais, mas de menor densidade de concreção (mais abstratas), de modo a proibir a constituição do crédito tributário, irrelevante a presença de circunstâncias de fato distintivas, os efeitos da coisa julgada se projetariam para o futuro. É esta a atualização que faço da nomenclatura utilizada nos antigos precedentes.
C
onforme registro feito pela Ministra Eliana Calmon, relatora do recurso especial cujo julgamento resultou no acórdão-recorrido, houve a declaração incondicional da inconstitucionalidade da lei 7.689/89, protegida pela coisa julgada (Fls. 158-159).
Ausente análise sobre os precedentes que orientam o sentido da Súmula 239/STF, a preliminar de repercussão geral falha em justificar adequadamente a forma como o acórdão-recorrido poderia ter violado o entendimento consolidado desta Corte (súmula 284/STF).
Ante o exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário (art. 38 da Lei 8.038/1992 e art. 21, § 1º do RISTF).
Publique-se. Int..
Brasília, 10 de novembro de 2010.
Ministro Joaquim Barbosa, Relator
Documento assinado digitalmente"

Em sentido semelhante à decisão monocrática acima, mais recentemente o Exmo. Ministro Luiz Barroso decidiu no ARE 861.473/BA que:

"RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 861.473 (703)
ORIGEM :AC - 00197125320104013300 - TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIAO
PROCED. : BAHIA
RELATOR : MIN. ROBERTO BARROSO
RECTE.(S) : UNIÃO
PROC.(A/S)(ES) : PROCURADOR-GERAL DA FAZENDA NACIONAL
RECDO.(A/S) : BRASKEM S/A
ADV.(A/S) : AUGUSTO MOREIRA DE CARVALHO E OUTRO(A/S)
DECISÃO:
Trata-se de agravo cujo objeto é decisão que negou seguimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão da Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, diante da existência de coisa julgada em favor do contribuinte, reconheceu a impossibilidade de cobrança da Contribuição Social Sobre o Lucro Líquido.
O recurso busca fundamento no art. 102, III, a, da Constituição Federal. A parte recorrente alega violação aos art. 5º, XXXV e XXXVI; 93, IX, e 102, § 2º, todos da Carta.
A decisão agravada negou seguimento ao recurso, sob os seguintes fundamentos:
(i) "Quanto à alegação de ofensa aos artigos 93, inciso IX, e 5º incisos XXXV e LIV, da Constituição Federal, tido como violador, por não ter se pronunciado o Órgão Julgador sobre pontos relevantes para o julgamento da causa, tem-se que configurada a ausência de prequestionamento por não terem sido objeto de apreciação no acórdão recorrido (Súmulas 282 e 356 do STF), sendo certo que a jurisprudência do Excelso Supremo Tribunal Federal não admite o prequestionamento implícito." e
(ii) "(...) a controvérsia não foi decidida com base em qualquer preceito constitucional, mas em legislação federal, cuja apreciação cabe ao colendo Superior Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 105, inciso III, da Constituição Federal."
No agravo, a parte insiste na alegação de ofensa direta aos dispositivos constitucionais destacados no recurso extraordinário.
A pretensão não merece acolhida. De início, no tocante à alegação de ofensa aos arts. 5º, XXXV e 93, IX, da Constituição, o Plenário deste Tribunal já assentou o entendimento de que as decisões judiciais não precisam ser necessariamente analíticas, bastando que contenham fundamentos suficientes para justificar suas conclusões. Nessa linha, reconhecendo a repercussão geral da matéria, veja-se a ementa do AI 791.292-QO-RG, julgado sob a relatoria do Ministro Gilmar Mendes:
"Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal.
Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral."
Quanto ao mérito, verifica-se que o acórdão recorrido consignou que "(...) a coisa julgada formada em prol da inconstitucionalidade da cobrança com base na Lei 7.689/88 implica na impossibilidade de cobrança posterior da contribuição social, já que as Leis 7856/89, 8034/90, 8212/91, 8383/91 e 8541/92, e mesmo a LC 70/91, apenas modificaram a alíquota e base de cálculo, ou dispuseram sobre a forma de pagamento, alterações que não criaram nova relação jurídico-tributária nem afastaram a inconstitucionalidade material declarada no caso concreto."

Com efeito, dissentir das conclusões adotadas demandaria tão somente o exame da legislação infraconstitucional pertinente à hipótese, providência vedada nesta via processual. De fato, é firme o entendimento desta Corte no sentido de que a controvérsia relativa aos limites objetivos da coisa julgada, quando dependente da análise de legislação infraconstitucional, não enseja a abertura da via extraordinária. Nesse sentido, leia-se ementa do RE 473.214-AgR, julgado sob relatoria do Ministro Joaquim Barbosa:
"AGRAVO REGIMENTAL. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL SOBRE O LUCRO LÍQUIDO (CSLL). VIOLAÇÃO DA COISA JULGADA.
A alegação de ofensa ao inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição é indireta ou reflexa, e, portanto, não dá margem ao cabimento do recurso extraordinário.
Agravo regimental ao qual se nega provimento."
Ao final, cumpre reforçar a inaplicabilidade da Súmula nº 239/STF ao caso em apreço, o que revela não haver qualquer violação à coisa julgada no caso sob análise. A dicção sumular foi construída levando em consideração especificidades aplicáveis a um lançamento específico, não se reportando a vícios relativos à norma impositiva em tese. Apontada uma inconsistência da regra-matriz por ausência de conformação com o pressuposto de validade, a coisa julgada deve ser mantida. Neste sentido, destaco trecho da decisão monocrática lançada no AI 817329, Rel. Min. Joaquim Barbosa:
" [.] A Súmula 239/STF baseia-se em dois precedentes, o AI 11.227- Embargos (DJ de 10.02.1945) e o RE 59.423-Embargos (DJ de 12.06.1970).
Ambos os precedentes fazem uma importante distinção para fins de cálculo da extensão dos efeitos da coisa julgada relativa à tributação.
Naquelas oportunidades, entendeu a Corte que as sentenças que afastassem relações jurídicas tributárias individuais e concretas ficavam circunscritas ao tempo em que ocorridos os fatos jurídicos tributários. É o típico caso no qual pede-se a anulação de lançamento tributário.
Em sentido diverso, se a sentença afastasse relações jurídicas tributárias individuais, mas de menor densidade de concreção (mais abstratas), de modo a proibir a constituição do crédito tributário, irrelevante a presença de circunstâncias de fato distintivas, os efeitos da coisa julgada se projetariam para o futuro. É esta a atualização que faço da nomenclatura utilizada nos antigos precedentes.
Conforme registro feito no acórdão recorrido, houve a declaração incondicional da inconstitucionalidade da Lei 7.689/1989, protegida pela coisa julgada, sem que a legislação posterior tenha realizado modificações fundamentais na regra-matriz tributária da CSLL."
Diante do exposto, com base no art. 544, § 4º, II, a, do CPC e no art. 21, § 1º, do RI/STF, conheço do agravo para negar-lhe provimento.
Publique-se.
Brasília, 9 de fevereiro de 2015.
Ministro Luís Roberto Barroso
Relator"

Incialmente cumpre-me registrar que, s.m.j. os precedentes do verbete nº 239 efetivamente são o MS 11.714 , de 6/11/63 e o Ag 11.227, de 05-06-443, tal como se encontram publicados na edição "Referências da Súmula do Supremo Tribunal Federal", de Jardel Noronha e Odaléa Martins, da Imprensa Oficial, Brasília, 1969, volume 12, pág.165 e seguintes. Entretanto, esse reparo não afeta o exame em curso.

Como se vê, em ambos os casos a interpretação jurídica dos dois Ministros está absolutamente congruente com a do Resp representativo de Controvérsia 1.118.893/MG e expressa uma interpretação correta com os precedentes do enunciado da Súmula. Afinal, as duas recentes decisões do STF não se concentraram na literal e sintética redação do enunciado, mas, ao contrário, buscaram nos precedentes que o criaram o seu verdadeiro sentido. E, assim fazendo, a conclusão foi congruente com a do REsp 1.118.893/MG: a coisa julgada tributária não é diferente das demais; se a res judicata disser respeito à fonte normativa da obrigação, vício de inconstitucionalidade, imunidade possuirá ela o atributo da eficácia continuativa. E também estará sujeita à cláusula rebus sic stantibus tal qual as coisas julgadas dos demais ramos do direito, desde que a alteração superveniente, de direito ou de fato, seja de tal relevo que altere o núcleo e o conteúdo normativo da res judicata; o que não ocorreu com a legislaçao posterir à lei 7.689 (CSLL) no citado Resp 1.118.893/MG.

O problema é que no primeiro caso negou-se seguimento ao extraordinário, pelo menos afirmou-se assim ter sido feito, e, no caso mais recente, dele conheceu-se para negar-lhe provimento.Todavia, pelo exame do conteúdo das duas decisões fica claro que os Exmos. Ministros examinaram o mérito do recurso, apesar de um ter-lhe negado seguimento, o que denota que não teria ultrapassado a fase de conhecimento, embora o tenha feito, enquanto na outra decisão o magistrado declaradamente tenha negado provimento ao recurso; essa confusão no âmbito do STF é antiga. E aqui socorro-me do grande mestre JC Barbosa Moreira4, a quem sempre atormentou esse fato de provimentos juridicionais de Tribunais disporem, quase aleatoriamente, pela negativa de seguimento, quando, na verdade, examinaram o mérito do recurso e estão efetivamente negando-lhe provimento.

Sucede que se os precedentes do verbete 239 da Súmula foram erigidos quando o STF detinha competência para conhecer de recurso extraordinário que indicasse violação de lei federal, no caso limites objetivos da coisa julgada, competência essa cessada com a Carta de 1988, parece razoavelmente claro que o recurso extarordinário fundado nesse enunciado não é cabível, ou seja, a hipótese é de não conhecimento, não devendo o órgão jurisidicional adentrar em qualquer questão de direito material, posto que esta matéria é afeita à Corte Superior Federal, o STJ, que efetivamente já pacificou com efeito vinculante o problema.


Com as devidas vênias, parece ser confirmação do que é aqui exposto a reiterada jurisprudência do STF relativa aos recursos fundados em suposta violação ao instituto da coisa julgada e seus limites objetivos, no sentido de que eles implicam exame da legislação infraconstitucional. O mesmo ocorre, vale dizer en passant, com a alegação de afronta aos arts. 5, LIV, e 93, IX, da CF. Vejamos alguns exemplos dessa jurisprudência:

"[...] De qualquer forma, é inviável a apreciação, em recurso extraordinário, de alegada violação ao direito adquirido, ao ato jurídico perfeito, à coisa julgada ou aos princípios da legalidade, do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e da inafastabilidade da jurisdição, uma vez que, se houvesse, seria meramente indireta ou reflexa, já que é imprescindível o exame de normas infraconstitucionais. Nesse sentido: ARE 748.371-RG/MT, Min. GILMAR MENDES, Tema 660, Plenário, DJe de 1º/8/2013; AI 796.905AgR/PE, Rel. Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe de 21/5/2012; AI 622.814-AgR/PR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe de 8/3/2012; e ARE 642.062-AgR/RJ, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Segunda Turma, DJe de 19/8/2011. 3. Outrossim, o apelo não pode ser conhecido no que toca à suscitada infringência ao art. 37, X, da CF/88. A Corte a quo decidiu pela procedência do pedido com base na Lei Estadual 1.206/87, e não na concessão parcelada do reajuste de 24% por processo administrativo, conforme alega a parte recorrente. Dessa forma, estando as razões do recurso extraordinário dissociadas dos fundamentos do julgado impugnado, incide, ao caso, o óbice da Súmula 284/STF. [...]"5

***

"[...] Quanto às demais alegações, anoto que o Supremo Tribunal Federal já assentou a ausência de repercussão geral da controvérsia ora em debate, referente à violação aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites da coisa julgada, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação de normas infraconstitucionais (ARE 748.371-RG, Rel. Min. Gilmar Mendes). Ainda, o Plenário deste Tribunal já assentou o entendimento de que as decisões judiciais não precisam ser necessariamente analíticas, bastando que contenham fundamentos suficientes para justificar suas conclusões. (AI 791.292-QO-RG, Rel. Min Gilmar Mendes). [...]"6

***
"EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: ALEGAÇÃO DE OFENSA À C.F., art. 5º, II, XXXV, XXXVI, LIV e LV. I. - Ao Judiciário cabe, no conflito de interesses, fazer valer a vontade concreta da lei, interpretando-a. Se, em tal operação, interpreta razoavelmente ou desarrazoadamente a lei, a questão fica no campo da legalidade, inocorrendo o contencioso constitucional. II. - Decisão contrária ao interesse da parte não configura negativa de prestação jurisdicional (C.F., art. 5º, XXXV). III. - A verificação, no caso concreto, da existência, ou não, do direito adquirido, situa-se no campo infraconstitucional. IV. - Alegação de ofensa ao devido processo legal: C.F., art. 5º, LIV e LV: se ofensa tivesse havido, seria ela indireta, reflexa, dado que a ofensa direta seria a normas processuais. E a ofensa a preceito constitucional que autoriza a admissão do recurso extraordinário é a ofensa direta, frontal. V. - Agravo não provido."7

***

"[...] (i) "o colendo Supremo Tribunal já se manifestou no sentido de não haver repercussão geral na questão referente à violação aos princípios do contraditório e da ampla defesa, aos limites da coisa julgada e ao devido processo legal quando o julgamento da causa estiver assentado em normas infraconstitucionais, já que a hipótese configuraria ofensa meramente reflexa ao texto constitucional"; [...]"8

***

"De fato, a jurisprudência desta Corte consolidou-se no sentido de que a verificação, no caso concreto, de suposta contrariedade à coisa julgada e a controvérsia sobre os seus limites objetivos situam-se em âmbito infraconstitucional."9

***

"O direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada, quando objeto de verificação de cada caso concreto acerca da ocorrência ou não de violação, não desafiam a instância extraordinária, posto implicar análise de matéria infraconstitucional."10

5. Conclusão

Portanto, como demonstrado, a alegação, em recurso extraordinário de violaçao à coisa julgada leva, segundo a jurisprudência atual do STF, inexoravelmente ao não conhecimento do recurso, enquanto que recursos fundados no enunciado 239 da Súmula Predominante do STF têm provocado decisões que adentram o mérito, ainda que algumas declarem negar conhecimento ou seguimento ao recurso, embora não exista razão, em sua competência constitucional para examinar essa matéria, pois, como já se, o verbete está na Súmula da Jurisprudência Predominante do STF como um estranho no ninho, um fóssil de Constituições passadas, que s.m.j., deveria ser objeto de exclusão segundo o artigo 7º, VII do Regimento Interno da Corte, evitando protelaçoes desnecessárias de feitos e o acúmulo de processos na Suprema Corte.

__________

1 "Em se tratando de matéria tributária, a extensão da coisa julgada deve ser interpretada com observância da existência de uma relação continuada e do enunciado da Súmula 239/STF, verbis: "Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores". Tal verbete foi editado em 1963. Dos precedentes que lhe deram origem, cabe transcrever o voto vencedor proferido pelo saudoso Ministro CASTRO NUNES nos autos dos Embargos no Agravo de Petição 11.227, o qual esclareceu como deveria ser solucionada a controvérsia a respeito da coisa julgada em matéria tributária, a saber: O que é possível dizer, sem sair, aliás, dos princípios que governam a coisa julgada, é que esta se terá de limitar aos têrmos da controvérsia. Se o objeto da questão é um dado lançamento que se houve por nulo em certo exercício, claro que a renovação do lançamento no exercício seguinte não estará obstada pelo julgado. É a lição dos expositores acima citados. Do mesmo modo, para exemplificar com outra hipótese que não precludirá nova controvérsia: a prescrição do imposto referente a um dado exercício, que estará prescrito, e assim terá sido julgado, sem que, todavia, a administração fiscal fique impedida de lançar o mesmo em períodos subseqüentes, que não estarão prescritos nem terão sido objeto do litígio anterior. Mas se os tribunais estatuíram sobre o imposto em si mesmo, se o declararam indevido, se isentaram o contribuinte por interpretação da lei, ou de cláusula contratual, se houveram o tributo por ilegítimo, porque não assente em lei a sua criação ou por inconstitucional a lei que o criou em qualquer desses casos o pronunciamento. judicial poderá ser rescindido pelos meios próprios, mas enquanto subsistir será um obstáculo à cobrança, que, admitida sob a razão especiona de que a soma exigida é diversa, importaria práticamente em suprimir a garantia jurisdicional do contribuinte que teria tido, ganhando à demanda a que o arrastara o Fisco, uma verdadeira vitória de Pirro. [...] Consoante se verifica, segundo um dos precedentes que deram origem à Súmula 239/STF, em matéria tributária, a parte não pode invocar a existência de coisa julgada no tocante a exercícios posteriores quando, por exemplo, a tutela jurisdicional obtida houver impedido a cobrança de tributo em relação a determinado período, já transcorrido, ou houver anulado débito fiscal. Se for declarada a inconstitucionalidade da lei instituidora do tributo, não há falar na restrição em tela. Com efeito, uma interpretação literal da Súmula 239/STF pode conduzir ao entendimento precipitado de que aquilo que for assegurado por decisão judicial ao contribuinte, em matéria tributária, deve ser sempre limitado a determinando exercício, razão pela qual o sujeito ativo estaria livre para cobrar tributos no tocante aos subsequentes. Essa equivocada compreensão limita sobremaneira a jurisdição. É como se o contribuinte, ao ingressar em juízo, independentemente da relação de direito material em discussão, do meio processual escolhido e da natureza do pedido formulado, já soubesse que, com o início do novo exercício, aquilo que lhe for assegurado perderá sua eficácia. Hipótese em que o ente tributante estaria permanentemente seguro de que a sucumbência estaria restrita ao exercício no qual proposta a ação judicial, o que não se mostra razoável, tampouco consentâneo com a garantia da segurança jurídica. No caso, em se tratando, ainda, de ação declaratória, impõe-se a transcrição do ensinamento do Prof. Celso Agrícola Barbi (Ação Declaratória Principal e Incidente. Rio de Janeiro: Forense, 1976, pp. 17/18), que, após discorrer a respeito das ações existentes, consignou, com a agudez de sempre, sobre a certeza que se busca nesse tipo de ação: Chega-se, assim, à conclusão de que a sentença declaratória é aquela que apenas dá a certeza oficial sobre a relação deduzida em juízo; nenhum outro efeito específico tem ela, salvo o de acabar com a incerteza, declarando a existência ou a inexistência de uma relação jurídica e, excepcionalmente, de um fato. E a ação declaratória é a que visa à obtenção dessa espécie de sentença. Outrossim, o fato de o Supremo Tribunal Federal posteriormente manifestar-se em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada pode alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada, sob pena de negar validade à própria existência do controle difuso de constitucionalidade, fragilizando, sobremodo, a res judicata, com imensurável repercussão negativa no seio social." (REsp 1118893/MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 6/4/2011)

2 NORONHA, Jardel. MARTINS, Odaléa, Referências da súmula do Supremo Tribunal Federal, vol. 12, súmulas 228 a 249, Brasília, 1969, p. 165

3 NORONHA, Jardel. MARTINS, Odaléa, Referências da súmula do Supremo Tribunal Federal, vol. 12, súmulas 228 a 249, Brasília, 1969, p. 165

4 Conhecer e não conhecer. "Acontece que a Corte Suprema, repita-se, dizia não conhecer do extraordinário toda vez que entendia faltar razão ao recorrente, isto é, não existir no acórdão recorrido violação de tratado ou lei federal. É evidente que aí, apesar da terminologia inadequada, a decisão do Supremo Tribunal Federal substituía o acórdão recorrido. Objeto de eventual ação rescisória só poderia ser, então, o acórdão da Corte Suprema, com a consequência, v.g., de tornar-se esta competente para o respectivo julgamento. Tal conclusão, quis o Supremo Tribunal Federal consagrá-la na Súmula da Jurisprudência Predominante, dada a prática que adotava, porém, teve de fazê-lo em termos que não deixam de suscitar perplexidade: "É competente o Supremo Tribunal para a ação rescisória quando, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado, embora não tendo conhecido do recurso extraordinário, ou havendo negado provimento ao agravo, tiver apreciado a questão federal" (nº 249). O enunciado mostra-se contraditório: apreciar a questão federal é algo que a Corte Suprema só faz quando conhece do recurso, porque em tal apreciação precisamente consiste o juízo de mérito sobre o extraordinário, e o tribunal não pode passar a ele sem transpor o juízo de admissibilidade (= sem conhecer do recurso). A fórmula tortuosa seria desnecessária se se observasse a boa técnica." (MOREIRA, José Carlos Barbosa, Temas de direito processual, Quinta série, Editora Saraiva, P. 136)

5 ARE 841799, Relator(a): Min. Teori Zavascki, julgado em 10/12/2014, publicado em Processo Eletrônico DJe-248 divulg 16/12/2014 public 17/12/2014

6 ARE 766994, Relator(a): Min. Roberto Barroso, julgado em 10/12/2014, publicado em Processo Eletrônico DJe-248 divulg 16/12/2014 public 17/12/2014

7 RE 154158 AgR, Relator(a): Min. Carlos Velloso, Segunda Turma, julgado em 27/08/2002, DJ 20-09-2002 PP-00112 ement vol-02083-03 pp-00517

8 ARE 842381, Relator(a): Min. Roberto Barroso, julgado em 15/12/2014, publicado em Processo Eletrônico DJe-249 divulg 17/12/2014 public 18/12/2014

9 RE 687837 AgR, Relator(a): Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 26/08/2014, Acórdão Eletrônico DJe-171 divulg 03-09-2014 public 04-09-2014

10 AI 844770 AgR, Relator(a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 04/10/2011, DJe-202 divulg 19-10-2011 public 20-10-2011 ement vol-02611-03 pp-00398

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*Augusto Moreira de Carvalho é advogado do escritório Garcia & Keener Advogados.


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