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´Jurisdição voluntária´ e a vontade das partes. Flexibilizar ou limitar?

José Augusto Rodrigues Júnior e Leandro Sampaio Corrêa de Araújo

Independentemente dos óbvios e inaceitáveis casos de fraude, conluio, entre outros ilícitos, que já não passariam mesmo pelo crivo do artigo 9º da CLT (não revogado), entendemos que verbas rescisórias incontroversas jamais poderiam ser negociadas e levadas a juízo para homologação, sem que o empregador outorgue ao empregado uma razoável contrapartida econômica.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

Atualizado em 21 de setembro de 2017 11:45

Sob uma enxurrada de críticas e alguns poucos aplausos, o projeto de lei 38 de 2017, conhecido como 'reforma trabalhista', foi aprovado pela Casa Legislativa dando origem a lei 13.467 de 13 de julho de 2017. O escopo, 'adequar a legislação às novas relações de trabalho'.

Atento à evolução do mercado de trabalho e, especialmente, à necessidade de aparar algumas arestas, principalmente aquelas de natureza processual, mais de cem alterações, contemplando modificações antagônicas e inclusões pontuais, foram realizadas no texto original do diploma consolidado.

Que fique claro, entendemos que aprimorar a legislação era de fato necessário! Mas não como foi feito, de forma açodada e sem uma real discussão com a sociedade. Sim, porque não se pode dizer que aquelas parcas "discussões" no Congresso, possam ser chamadas de real oitiva da sociedade. Todavia, aqui não pretendemos discutir o mérito, abrangência, ou desacertos do texto aprovado, aspectos que, sem dúvida, convidam ao confronto. Não, nos limitamos à reflexão sobre a aplicação de uma das maiores inovações trazida pelo legislador, à qual deve ser interpretada à luz do verdadeiro espírito que embalou essa reforma, a tal 'flexibilização'.

Ciente de que os protagonistas da relação de trabalho (empregado e empregador), via de regra celebram 'acordos' para a solução dos conflitos, não sendo novidade que a ausência de segurança jurídica sempre acenou como óbice à composição destes pactos, pois ainda assim, nada obstaria o acesso ao Judiciário, criou o legislador o chamado 'processo de jurisdição voluntária', vide Capítulo III-A, artigo 855-B e seguintes da nova consolidação.

Referido procedimento faculta às partes, desde que assistidas por seus respectivos patronos, acesso conjunto ao Judiciário, requerendo apenas e tão somente a homologação do acordo formalizado extrajudicialmente. Ou seja, sem que o conflito de interesses tenha ganhado corpo, sendo forçosa a apreciação e respectiva solução pela Justiça do Trabalho, fixam as partes, por livre e espontânea vontade, bases para um acordo, buscando somente a 'chancela' do Poder Judiciário.

A inovação possui enorme envergadura. Questionada pelos juízes, que não querem a pecha de "órgão homologador", é vista com muito bons olhos para outros, especialmente para quem almeja uma verdadeira quitação ao cumprir sua obrigação e realiza seus pagamentos. O inovador instrumento traz a necessária segurança, condição 'sine qua non' para a realização qualquer negócio jurídico, além disso, traz maior celeridade na solução de questões inerentes às relações de trabalho, permitindo aos interessados antecipar-se à 'judicialização' conflituosa, fator que a médio e longo prazo desafogará a própria máquina pública.

No entanto, dúvidas já cercam a finalidade do instituto, na medida em que alguns operadores do direito já ressalvam hipóteses que não estariam abarcadas pelo referido procedimento. Mas afinal, teria o legislador imaginado limites para a transação de direitos?

Uma estrita leitura do 'caput' do dispositivo em estudo, seguida de seus respectivos parágrafos não apresenta qualquer vedação, demonstrando que o legislador não quis se imiscuir no objeto da composição. Houvesse alguma vedação, evidente seria objeto de expressa manifestação legislativa. Aqui, ganha espaço o velho brocardo, ventilado desde as primeiras lições do curso de Direito: 'o que não é defeso, é permitido!''

Assim, para os conservadores positivistas, tudo estaria liberado e flexibilizado. Desde que as partes expressamente assim se manifestassem, caberia ao juiz trabalhista apenas a homologação dessa vontade externada.

Referida posição teria ainda como firmamento o texto do artigo 484-A, da CLT (rescisão por mútuo acordo), outra das notáveis inovações legislativas que, sem dúvida, veio para ficar. O argumento? A transação de direitos rescisórios foi prevista em capítulo próprio, razão pela qual o processo de jurisdição voluntária não se reservaria apenas à transação de direitos controvertidos.

Não obstante a visível ausência de limitação, data maxima venia, há que se dar espaço ao contraponto. Transigir sobre um valor incontroverso de verbas rescisórias, só deveria ter espaço em condições excepcionais, de comprovada dificuldade econômico/financeira do empregador e, ainda assim, outorgando ao empregado/credor alguma contrapartida. Por exemplo, parcelar o valor, mas incluindo no débito total, no mínimo, a multa do artigo 477 da CLT.

É verdade que se permitiu ao empregado a negociação individual, seja quando da celebração do contrato, seja no seu curso, seja até no momento da rescisão, sobretudo com o afastamento do ente sindical nas homologações. Pela nova lei, foram ultrapassados velhos obstáculos, tais como a imposição de ressalvas e, até mesmo, negativa quanto à própria homologação liberatória (títulos discriminados).

Permitiu-se, sobretudo, que o empregado passe quitação anual ao seu empregador, de forma a encerrar toda e qualquer pendência relativa a eventuais direitos (inteligência do artigo 507-B da nova consolidação). Neste trilhar, ululante a intenção do legislador de afastar a exacerbada hipossuficiência, prestigiando-se de uma vez por todas a autonomia da vontade.

Nesta senda, diante do quadro acima asseverado, por qual razão não estaria autorizada a transação sobre verbas rescisórias incontroversas? Parece incongruente tal interpretação, haja visita que do texto legal não se extraí qualquer imposição de limites a faculdade introduzida pelo legislador.

Mas não é. A nosso ver o maior impeditivo é exatamente a hipossuficiência. Essa não é mais eterna, não é mais inerente ao empregado. Mas deve ser sempre contextualizada. Quando um empregado recebe a triste notícia da rescisão do seu contrato pelo empregador, naquele momento ele estará, sempre, hipossuficiente. Despiciendo tratar-se de um humilde trabalhador, ou de um alto executivo. Cada um vive de acordo com seu padrão de ganhos. Se ganha pouco, não se arvora em grandes compromissos econômicos, todavia, se tem alta remuneração, naturalmente eleva seu padrão de vida, inclusive familiar, e necessita dos maiores valores, para cumprir com seus elevados compromissos. Assim, ambos em seus patamares, têm suas imperiosas necessidades e, perdendo o emprego, estão em momento de igual hipossuficiência.

Portanto, independentemente dos óbvios e inaceitáveis casos de fraude, conluio, entre outros ilícitos, que já não passariam mesmo pelo crivo do artigo 9º da CLT (não revogado), entendemos que verbas rescisórias incontroversas jamais poderiam ser negociadas e levadas a juízo para homologação, sem que o empregador outorgue ao empregado uma razoável contrapartida econômica.

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*José Augusto Rodrigues Júnior é sócio fundador do escritório Rodrigues Jr. Advogados.

*Leandro Sampaio Corrêa de Araújo é advogado especialista em Direito Processual Civil; Especialista em Direito e Processo do Trabalho (Universidade Presbiteriana Mackenzie), membro AASP.

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