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Histórias memoráveis:

Confira os curiosos causos do judiciário contados pelos migalheiros

Próteses dentárias que caíram na mesa de um juiz e reconhecimento de paternidade de crianças com nome de celebridades, estão entre as histórias.

Da Redação

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Atualizado às 08:27

Na semana em que comemoramos o Dia do Advogado (11/8), Migalhas convidou seus leitores a contar casos curiosos em que tenham atuado ou que apenas tenham conhecimento. Próteses dentárias que caíram na mesa de um juiz, testemunha que deu uma lição de moral no magistrado, reconhecimento de paternidade de crianças com nome de estrelas... Confira abaixo os "causos" curiosos enviados pelos migalheiros.

Era uma vez um baile "arrasta pé"

O migalheiro Afonso H. Maimoni nos conta três diferentes histórias:

Antes de audiência cível em comarca no interior de Mato Grosso, fomos solicitados a acompanhar depoimento de testemunha em ação penal. O réu era deficiente visual, antigo funcionário da Prefeitura. Constava que em um balie "arrasta pé" houve um tiro que matou uma pessoa e o acusado, que não enxergava foi encontrado na porta do banheiro com uma arma na mão. A testemunha comprovaria os fatos. Todos a postos, o juiz fazendo as advertências para testemunha, que de sua parte permanecia sorrindo e olhando ora para o réu, ora para mim e não para o juiz. Este se incomodou, alterou-se levantou-se em altos brados exigindo a atenção e o respeito para o ato. O réu escutava muito bem e comentou: "Se a mulher que está aqui for a Maria Perna Fina, além de surda é fraca da cabeça". Comuniquei ao juiz e ao promotor. O juiz se recompôs e o promotor pediu o adiamento para rever a denuncia."

A culpa é da espingarda

"Houve o interrogatório do "Chico da Pedra". Era extrator de pedras para calçamento e "comia água", como se dizia dos que bebiam muita pinga. Estava preso por ter atirado com espingarda em seu colega de trabalho. Ele negava e dizia que havia atirado em uma cobra. As pedras eram tiradas em locais afastado no meio do mato. A arma, apreendida foi mostrada para reconhecimento. O Chico pediu para chegar mais perto e confirmou. Em seguida na sua simplicidade disse ao juiz :

"Doutor é a minha espingarda mas não quero ela mais. Está enferrujada e a mira ruim. Por isto errei a cobra e acertei o Tião. O senhor me arruma outra".

A pedido da promotora foi solto para responder em liberdade."

De pernas para o ar

"Enquanto esperava para falar com o juiz, chegou um colega esbaforido pedindo para entrarmos juntos, porque tinha urgência. Lá fomos nós. Ao iniciar a sua manifestação, acabou por deixar soltar a prótese dentaria superior, conhecida por "perereca". Ao se desprender a peça bateu na quina da mesa do juiz e se partiu, obrigando ao colega se abaixar para procurar. O juiz não conteve as gargalhadas, em sua poltrona de espaldar alto que de tanto se balançar, virou de pernas para cima. Então foram dois trabalhos: Levantar o juiz e encontrar a "perereca" para o colega fazer a sua audiência."

Lição de moral

Veja a história que o leitor José de Assis assistiu enquanto aguardava o início de uma audiência da qual participaria:

"O Juiz de Direito de uma cidade do interior de Minas, já faz algum tempo, interrogava uma testemunha. A todo momento, a testemunha, em vez de empregar a expressão mulher dizia a esposa. O Juiz, interrompendo a testemunha, explicava-lhe que não havia qualquer despudor em dizer mulher em vez de esposa, mesmo porque o nosso Código Civil registra marido e mulher e não marido e esposa. Esposa é linguagem literária, completou o Juiz.

A testemunha, olhar fixo no Juiz, nervoso, em alto e bom som disparou:

- Doutor Juiz: ou sou simples funcionário da Central do Brasil (nome antigo da Rede Ferroviária). A minha obrigação é saber a que horas chega o trem Baiano ou o Rápido e a que horas eles saem; se os trens de minério vão transitar cheios ou vazios.Se essa lei que o senhor falou aí diz que é mulher e não esposa, o senhor e os advogados é que têm obrigação de saber, não eu. Já estou com o saco cheio de ser corrigido.

A escrevente, os advogados e os demais presentes à audiência ficaram espantados com o que ouviram e se prepararam para a reação do Juiz. O Juiz, bonachão, com as mãos entrelaçadas sobre o volumoso abdômen, olhando a testemunha por cima dos óculos, sorrindo, calmo, respondeu:

- O senhor me deu uma lição. Desculpe-me. A razão é toda sua. Realmente, a obrigação de saber o que a lei fala é nossa e não do senhor, do leigo. Fique à vontade. Pode prosseguir"."


"O Fiat 147..."

A migalheira Silvia Vilardi nos conta a história "inesquecível" que vivenciou quando era funcionária de uma das varas Cíveis do fórum João Mendes Jr:

"Trabalhava como chefe do setor de procedimentos especiais e cuidava de processos envolvendo em sua maior parte, busca e apreensão e reintegração de posse de veículos. Um certo dia, uma senhora se encostou no balcão e aos prantos pediu para dar uma palavrinha com a pessoa responsável por um processo de busca e apreensão de um Fiat 147 adquirido por seu filho, que estava com prestações em atraso em uma famosa financiadora da época. Estava realmente desesperada com a iminente apreensão do veículo. Solidária com a referida senhora, chamei o advogado responsável pelo processo e junto com ele fomos conversar com o juiz da vara (aliás, um excelente juiz e um grande ser humano, já aposentado como desembargador).

Tendo em vista as peculiaridades do caso e o sofrimento espantoso daquela senhora, o magistrado, com a aquiescência do advogado da autora, designou uma audiência extraordinária tentando buscar uma conciliação. No dia marcado, lá estava a dita senhora acompanhada de seu filho e, cá entre nós, um homem já maduro, extremamente alto e absolutamente desprovido de beleza, para não dizer, com o perdão dos céus, muito, mas muito feio mesmo.

Apregoados, sentaram-se à mesa. O réu permaneceu mudo o tempo todo e só quem falava era sua mãe. Em um determinado momento, o juiz, curioso, indagou à senhora a razão pela qual ela interferiu no assunto, tomando a frente da solução de uma problema que era exclusivamente de seu filho, quando ela, num rompante, virou-se e disse aos prantos:

"Dr. vocês não podem tomar o carro do meu filho, porque como ele é muito feio, sem o carro ele não consegue uma namorada e ele precisa se casar"!!!

Depois dessa, todos nós contivemos o riso e o advogado da financeira juntamente com o juiz, fecharam um acordo que possibilitasse o pagamento e a manutenção em poder do réu, do Fiat 147."

Calçada da fama

A história das estrelas é contada pela migalheira Lucila Del'Arco Nascimento Arroyo:

"Certa vez, quando eu ainda estagiava no departamento de Assistência Judiciária da Prefeitura de Ribeirão Preto/SP, atendi uma cliente que tinha cinco filhos e queria ingressar com ação de investigação de paternidade dos cinco filhos. A primeira dificuldade foi justamente saber quem eram os cinco ou mais supostos pais das crianças. Porém, na entrevista com a mãe perguntei-lhe os nomes das crianças. E para minha surpresa, assim se chamavam: Railander Gleiser, Elvis Presley, Ingrid Estaisse, Jon Lenon e o caçula era o Carlos.

Ora, imediatamente disse a mãe que, antes de ingressar com investigação de paternidade ela deveria ingressar com ação de modificação de nome de pessoa natural em favor do Carlos, visto que ele era o único da família que não tinha nome de "super star". Ela ficou muito empolgada com a idéia e disse que ingressaria sim com a ação para modificar o nome do Carlos para "Ringo Star", nome, inclusive, que ela já queria ter-lhe dado quando nasceu.

Me lembro que este "causo" rendeu boas risadas entre meus colegas estagiários do Departamento de Assistência Judiciária lá em Ribeirão Preto. Saudades..."


ZzZzZzZzzzzz

O leitor José Marcos da Cunha nos conta dois "causos":

"Estava eu, há muitos anos, ainda como escrevente de audiência, no forum desta cidade, quando no meio da instrução, após o Juiz ouvir uma das testemunhas, vira-se para o advogado do autor e pergunta:

- Dr., alguma pergunta?, Dr., alguma pergunta?

E novamente:

- Dr., alguma pergunta?

Náo é que, quando percebemos, o advogado, já de uma certa idade e meio boemio, pelo que falavam as más línguas, estava dormindo na sala de audiência, alias, estava roncando. Pode parecer brincadeira, mas não é, e tem mais, não foi fácil acordá-lo. Sobrou para o 'marmita' do escrevente ter que acordá-lo. Após, a audiência seguiu num clima sonolento.

Cócóricó

Estava parcipando de uma audiência, na Justiça do Trabalho, há muito tempo, no prédio antigo, e no decorrer da instrução, quando estava a Juiza ouvindo uma das testemunhas do reclamante, o Galo começou a cantar.

Com total espanto, advogados, partes, juiza, escrevente, sairam a procurar o galo embaixo da mesa da audiência, nos cantos da sala, atrás da cortina, e nada.

Não é que, parece mentira mas não é, o reclamante possuia um relógio que de hora em hora imitava um galo.

A audiência continuou, mas a concentração não; ainda bem que fizemos um acordo antes do encerramento, porque ficou impossível dar continuidade de maneira séria.

Vírus de computadores

O leitor José Aranda Gabilan tamém nos enviou sua memorável história:

"Foi em Minas. O magistrado - foro trabalhista - como sói acontecer, convenhamos, lê a inicial no momento da audiência, com rápido transpor de fls. e fls., numa só 'molhada labial' do indicador da mão direita. Era destro.

De soslaio, observa o autor da demanda e, de forma mais direta, diz ao advogado deste:

- Doutor, seu cliente insiste no pedido?

- Sim, Excelência, sem sobra alguma de dúvida - aduz o ilustre colega.

- Não seria desejável que V. Senhoria a ele fizesse nova consulta? - redarguiu paciencioso o juiz.

-Definitivamente não, Excelência - devolve o nobre causídico, com sabor e tom de contrarréplica.

E, assim, coisa rara, foi prolatada, em audiência, a r. sentença que julgou a ação totalmente improcedente, estribada no simples fato de que vírus de computadores, mesmo que transportados estes pelo reclamante, não são, em si, causa suficiente para que se defira a periculosidade pretendida. Não houve recurso."

"Advogado ou professor"

Essa história quem nos conta é o leitor Francimar Torres Maia, retirada se sua obra "Vendo a vida com bons olhos - A história de um cearucho":

"- E não tem nenhuma historinha pitoresca envolvendo o advogado?

- Pois tem.

Certa vez, um advogado ajuizou ação contra a CEEE, no Juizado Especial Cível de Gravataí, requerendo que a estatal devolvesse, em dobro, à sua cliente, determinada quantia.

Chegou todo empafioso, para a audiência, falando literalmente assim, depois de se recusar a ouvir qualquer explicação da nossa parte e de rejeitar qualquer acordo:

- Já dei uma lição no Banrisul, outra na CRT, agora vou dar uma lição na CEEE.

E eu:

- Desculpe, eu pensei que o colega fosse advogado; mas, pelo jeito, é professor.

Só que eu ganhei a ação, utilizando-me do seguinte raciocínio:

O Réu tem que pagar ao Autor o dobro do que este lhe pagou a mais. A Autora pagou a mais para a CEEE 0 (zero, isto é, nada). O dobro de zero é zero. Logo, a CEEE deve devolver zero à consumidora reclamante.

O "professor" deve ter "perdido os cadernos", porque, sequer recorreu da decisão.

Por essas e por outras, é que vale a pena a gente ser modesto e humilde. O que não pode acontecer é se confundir humildade com falta de dignidade.

Não se deve tripudiar sobre ninguém. Por outro lado, não podemos deixar que nos ponham 'lá embaixo'. O amor ao próximo e o amor próprio não são incompatíveis."

Imensa gratidão

O migalheiro Flávio Dias Semim conta-nos a história que vivenciou na vigência do CC/1916:

Durante os longos anos em que transitamos pelos caminhos da advocacia, alguns casos ficaram marcados em nossa vida profissional, seja por motivo cômico, trágico, grotesco ou sentimental. Nessa última situação, recordamos quando em determinado dia, fomos procurados por uma idosa senhora, em redor das 80 primaveras e invernos de existência, expondo o seguinte fato: após a morte de seu marido, ocorrida pouco tempo antes, duas das filhas do falecido, havidas do casamento anterior, comunicaram-lhe que pretendiam vender a casa em que ela (a viúva) morava, pois lhes pertencia a metade deixada pelo pai, e precisavam do dinheiro. Desesperada, apreensiva, a vovó alegava que a propriedade construída com sacrifício durante os anos que estivera casada com o pai das herdeiras, era de pouco valor e situada em bairro periférico, bastante pobre, e uma vez vendida não lhe renderia, pela sua parte, dinheiro suficiente para a compra de outra morada, que lhe abrigasse pelos dias restantes de sua vida, assim como, também, não tinha dinheiro para pagar a parte delas. E de fato, após aberto e encerrado o processo de inventário em forma de arrolamento, pela herdeira mais velha nomeada inventariante e então partilhado o único bem existente, entraram em seguida com uma ação de extinção de condomínio com pedido de expedição de alvará para venda do imóvel, argumentando que, sendo indivisível a propriedade em litígio, a solução era a venda da coisa comum, nos termos do artigo 632 do Código Civil.Foi aí que entramos na defesa da vovó.

O Código Civil Brasileiro (1916) é taxativo em seu artigo 1.611, parágrafo segundo, que dispõe: "Ao cônjuge sobrevivente, casado sob o regime da comunhão universal, enquanto viver e permanecer viúvo será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único bem daquela natureza a inventariar". Portanto, o direito a habitação do viúvo ou viúva, enquanto perdurar esse estado civil, isto é, enquanto não contrair outro casamento, é vitalício, garantido até a morte do cônjuge sobrevivente. Nada irá removê-lo dali, contra a sua vontade, principalmente por herdeiros, ou após a partilha, pelos coproprietários do bem, pois está preservado o seu direito de morada. Ora nada mais justo, por isso, que tenha sido mantida na posse a viúva, conservado inatacável o condomínio e indeferido o pedido de autorização da venda, argumentos em que nos alicerçamos durante toda a tramitação da ação.

O artigo em tela é um dos mais felizes e elogiáveis dispositivos de nosso Código Civil, eis que consolida situações jurídicas, promovendo a paz e tranquilidade nessas relações específicas, ampara e defende de usurários e inescrupulosos, protegendo e dando a merecedora consideração àquele que conquistou um teto para seu abrigo e quando só, se vê ameaçado de ali não mais poder habitar, cuidando, assim, desse direito mínimo que alguém deve ter: o da habitação. Inconformadas e sempre vencidas judicialmente, as autoras da ação, ansiosas em se apoderarem de fato da herança, mesmo deixando ao desabrigo a viúva, recorreram até ao Superior Tribunal de Justiça, sem êxito.

A bondosa senhora, que soubemos um dia ter vivido até 92 anos para desespero das enteadas, após o encerramento do processo, transitado com o benefício da justiça gratuita, isto é, sem pagamento de custas, tempos após ter sido cientificada do resultado definitivo da ação, um dia adentrou ao nosso escritório e com a costumeira humildade, a felicidade discretamente estampada entre as rugas do rosto, desculpando-se pelo atraso, ofereceu o pagamento dos nossos honorários, pelos quais nunca pretendemos cobrar, mas que foi um dos maiores e mais valiosos dos que já recebemos até hoje: um delicioso bolo carinhosamente coberto de chocolate, feito com imensa gratidão, e que compartilhei (só a gratidão) com todos os juízes que, com nobreza, sabedoria e justiça, julgaram aquele caso.